9 de fev. de 2013

alain de botton, epicuro e a felicidade


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"Em um mundo cercado de publicidades e discursos que associam felicidade e realização à posse e ao desejo de possuir coisas, é difícil imaginar outra forma de ser feliz. O documentário questiona esse estilo de vida a partir da filosofia de Epicuro - que há milhares de anos já identificara o mesmo comportamento no povo grego." (Via)

(Saiba mais aqui)

a ligação entre violência e desigualdade social


De Daniel Duclos, em seu blog [the dude's talk] (via):

Muita gente tem lido este post como uma idealização da Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade. A Holanda não é nenhum paraíso e tem diversos problemas, muitos dos quais eu sinto na pele diariamente. O que pretendo fazer aqui é dizer duas coisas: a origem da violência no Brasil é a desigualdade social e 2, apesar da violência que gera, muita gente gosta dessa desigualdade e fica infeliz quando ela diminui, porque dela se beneficia e não enxerga a ligação desigualdade-violência. Por fim: esse post não é sobre a Holanda. A Holanda estar aqui é casual. Esse post é sobre o Brasil, minha pátria mãe.

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.

Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.

Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).

Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções - estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?

Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).

Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.

O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.

Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” - não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.

Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.

PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.

religiões africanas são principal alvo da intolerância religiosa no Brasil


De reportagam publicada ontem na Deutsche Welle (leia na íntegra aqui):

O número de denúncias referentes à intolerância religiosa no Brasil, feitas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aumentou de 15 em 2011 para 109 em 2012. Os principais alvos de discriminação são as religiões de origem africana, como candomblé e umbanda.

Entre os casos está a invasão de terreiros em Olinda, em que "evangélicos com faixas e gritando palavras de ordem realizaram protesto em frente a um terreiro de religião de matriz africana e afro-brasileira", como descreve um denunciante. Outro caso foi o uso, por uma igreja, de imagens de mães-de-santo, "chamando de feitiçaria e difundindo o ódio pelas redes sociais", afirma outra pessoa.

"O Brasil tem um histórico de negação das tradições não cristãs. Essa negação não é exatamente da religião, mas do valor de todas as tradições de matriz africana. Na verdade, para nós, é racismo", afirma Silvany Euclenio, secretária de Políticas das Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Embora existam também atritos entre algumas religiões cristãs, eles acabam não sendo tão violentos porque essas religiões têm uma origem comum e compartilham os mesmos valores. No caso das religiões de matriz africana, a intolerância recebe uma outra dimensão e resulta em violência, como no depredamento de casas, espancamento de pessoas e até mesmo assassinatos. "Recebemos denúncias de norte a sul do país, e de forma crescente", diz Euclenio.

Mercado religioso
O professor de ciências da religião Frank Usarski, da PUC-SP, afirma que a tensão mais visível é entre algumas igrejas pentecostais e as religiões afrobrasileiras, apesar de existirem também atritos entre religiões que tenham a mesma raiz.

"Isso tem muito a ver com a lógica do mercado religioso. Hoje em dia não é mais uma convivência idealista, mas uma luta de segmentos, da necessidade de conquistar uma certa parcela da população. Dessa forma, o outro é estigmatizado, desvalorizado e inferiorizado", acrescenta, dizendo que a briga entre as religiões se orienta por uma lógica capitalista.

Ele cita, como exemplo, a briga entre vertentes da religião budista no Brasil, em que houve briga jurídica para impedir a entrada de líderes religiosos no país. Além disso, um grupo reivindica um templo para si e o outro não quer devolvê-lo. "Não são só brigas simbólicas, mas também jurídicas."

Para o professor aposentado de ética e teologia Ubirajara Calmon, da Universidade de Brasília (UnB), existe intolerância religiosa no Brasil, mas nada comparável ao que acontece em outros lugares do mundo, como na Europa. "Acredito que há poucas manifestações. O Brasil nunca chegou a uma situação como, por exemplo, a luta entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte", frisa.

O governo federal lançou no final de janeiro o Comitê de Combate à Intolerância Religiosa, que terá 20 membros oriundos do governo e da sociedade civil, sendo que o edital para a escolha dos integrantes será lançado em fevereiro ou março. O comitê vai ter o objetivo de promover o direito ao livre exercício das práticas religiosas e elaborar políticas de afirmação da liberdade religiosa, do respeito à diversidade de culto e da opção de não ter religião.

Internet
O mundo virtual reflete a situação do mundo real. De 2006 a 2012, a organização não-governamental SaferNet Brasil, através da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (CNDCC), recebeu 247.554 denúncias anônimas de páginas e perfis em redes sociais que continham teor de intolerância religiosa.

Muitas vezes uma página ou perfil é denunciado dezenas, centenas ou até milhares de vezes. Dessa forma, nesse período, 15.672 páginas foram reportadas por conter teor de intolerância religiosa. A tendência é de queda: de 2.430 páginas em 2006 para 1.453 em 2012.

Essa tendência não implica que o número de casos reportados de intolerância religiosa tenha diminuído. "Uma das razões é a classificação feita pelo usuário. Mesmo páginas reportadas por possuir conteúdo antissemita ou homofóbico têm, também, conteúdo referente à intolerância religiosa", explica Thiago Tavares, coordenador da CNDCC.

O maior problema é a impunidade. "Quanto maior a dificuldade de punir esses crimes, maior é a tendência de uma parcela da comunidade de internautas de querer utilizar a rede para essa finalidade. A impunidade é o combustível da criminalidade", declarou Tavares, afirmando ainda que percebe um crescimento, desde 2010, das manifestações de intolerância e também da radicalização do discurso de ódio na internet brasileira.

Não só anônimos postam comentários que envolvem intolerância religiosa ou até mesmo o ódio em sites e perfis nas redes sociais. "Vemos casos de autoridades religiosas também. Há uma certa permissividade, uma dificuldade de monitorar e efetivamente punir", diz Euclenio, da Seppir. (...)

Leia na íntegra aqui.

dançando pelo fim da violência


De Suzana Lourenço, para o Outras Palavras:

“Uma em cada três mulheres do planeta será espancada ou estuprada no decorrer da vida.” Essa é a afirmação que inspirou o nome do evento global “Um bilhão que se ergue” (One billion rising), que acontece em São Paulo e no Recife no próximo dia 16. “Um bilhão de mulheres violadas é uma atrocidade. Um bilhão de mulheres dançando é uma revolução”, diz no Facebook a chamada do evento, que acontece em diversas capitais do planeta.

A ideia é reunir mulheres e homens para dançar, numa coreografia coletiva, pelo fim da violência contra mulheres e meninas. “One billion rising” (veja acima ou no YouTube) congrega cerca de 5.000 organizações, ONGs e universidades em todo o mundo. O movimento tem sua origem na peça “Monólogos da Vagina”, escrita pela dramaturga e ativista Eve Ensler com base em entrevistas sobre a sexualidade feminina e o estigma social em torno do estupro e do abuso.

A peça fez sucesso em diversos países – no Brasil, teve direção de Miguel Falabella e ficou em cartaz por mais de uma década. Ao final de cada apresentação, Ensler encontrava mais mulheres que queriam compartilhar suas histórias de sobrevivência, transformando o espetáculo em mais do que uma manifestação artística sobre a violência feminina. Em 14 de fevereiro – o Valentine’s Day, dia dos namorados norte-americano – de 1998, Eve e um grupo de mulheres de Nova York criaram o V-Day, para demandar o fim da violência contra mulheres. Nascia aí a ideia do “One billion rising”.

No Brasil: quatro entre cada dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica, revelam os números do Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, divulgado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e pelo Dieese. Entre 1998 e 2008, cerca de 42 mil mulheres foram assassinadas – dez a cada dia –, 40% delas dentro de casa, conforme dados de outro estudo, o Mapa da Violência 2011, realizado pelo Instituto Sangari a partir de informações do DATASUS/Ministério da Saúde.

Movimentos de mulheres vinham denunciando essa situação desde os anos 1970, e deram os primeiros passos na formação de coletivos de apoio às vítima da violência. Foram criadas as primeiras Delegacias da Mulher. Mas foi só a partir dos anos 2000 que a questão ganhou a esfera nacional, com a criação, em 2003, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

Um marco no enfrentamento da violência de gênero no Brasil foi a lei 11.340, de agosto de 2006 – conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Fernandes, que foi atingida por um tiro do marido enquanto dormia, ficou paraplégica e sofreu tortura, mas veio a público e conseguiu levar seu caso a cortes internacionais.

Desde a sua criação pela SPM, em 2005, até março de 2012, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, com funcionamento 24 horas, inclusive fins de semana e feriados – realizou 2.527.493 atendimentos. De 2006 a março de 2012 foram registrados 603.906 relatos de violência, assim tipificados segundo a Lei Maria da Penha: física 182.857 (30%, vai de lesão corporal leve ao assassinato), psicológica 76.620 (12,8%), moral 32.168 (5,4%), sexual 5.899 (1%) e patrimonial 4.920 (0,8%).

A violência parte frequentemente do marido ou companheiro. No mesmo período, das 131.047 informações sobre o tempo de convivência entre vítima e agressor, o relacionamento era de dez anos ou mais em quase 40% dos casos; e entre cinco e dez anos em cerca de 20%. A frequência das agressões foi registrada em 228.180 atendimentos, sendo diária em aproximadamente 60% e semanal em cerca de 20%. Foram presenciadas por filhos e filhas em mais de 65% dos casos; em quase 20%, eles foram agredidos junto com as mães.

Manifestação
A manifestação acontece em São Paulo das 14 às 18 horas do sábado, 16 de fevereiro, no vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo). As danças e coreografias serão ensaiadas a partir das 12 horas, pelos participantes concentrados no museu. No Recife, a dança-protesto ocorrerá na Praça do Marco Zero, às 19 horas.

Na página do Facebook Um bilhão que se ergue em SP encontram-se os vídeos da coreografia em SP e da coreografia original. No site oficial da campanha podem ser assistidos videos da autora Eve Ensler, e da atriz e militante Jane Fonda dizendo porque se levantaram contra a violência. Aqui, o ator e diretor Robert Redford dá seu depoimento sobre o tema. [Entre outras personalidades (celebridades, militantes ou não - aqui).]http://www.vday.org/home

música para os olhos


Cartola. Afinal, é carnaval. :-)

"A história de um dos compositores mais importantes da música brasileira. A história do samba a partir de um dos seus expoentes mais nobres. Utilizando linguagem fragmentada, Cartola traça um painel da formação cultural do Brasil, convidando a uma reflexão na construção da memória deste país. O retrato de um homem que se reconstruía com seu tempo."

Direção: Lírio Ferreira e Hílton Lacerda
Origem: Brasil
Ano: 2006
88 minutos

(Via)

documentário sobre o Pirate Bay é lançado simultaneamente na internet e no Festival de Berlim


O lançamento "da hora" vem sendo preparado há quase 5 anos: um documentário sobre o Pirate Bay, serviço online de compartilhamento de arquivos via torrents que tornou-se uma verdadeira bandeira pela internet livre desde que seus fundadores passaram a ser perseguidos e processados por pirataria.

Dos 3 membros fundadores, um está cumprindo pena - Anakata - e dois, Peter Sunde e Fredrik Neij, são procurados. Nas palavras do diretor, Simon Klose, uma prova de que a complexa questão em torno do copyright está longe de ser resolvida. A expectativa é colocar mais lenha na fogueira do debate, reacendido recentemente com o suicídio do ativista Aaron Swartz.

Durante a campanha de pré-lançamento, o vídeo foi disponibilizado inicialmente para quem se dispusesse a pagar 10 dólares pelo preview - e foram 1885 downloads pagos. A partir de hoje, depois de ser exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim, o vídeo está disponível em Creative Commons para download ou para ser assistido no Youtube (e aí em cima). Está disponível também para download via torrent, claro.

(Fonte: Luis Nassif Online)

8 de fev. de 2013

imprensa: contra ou a favor


Crônica de Carlos Heitor Cony na Folha de S. Paulo de hoje (via):

São mais de 60 anos no ofício. Tempo de sobra para aprender os macetes todos e, sabendo manejá-los, assumir a cara e a coragem do vencedor. Mas não deu. Olho-me no espelho e vejo sempre o rosto antigo e perdedor. Seria o caso de me perguntar: onde errei? Qual foi a esquina que eu dobrei errado?

Na verdade, foram tantas as esquinas erradamente dobradas que fica difícil descobrir a esquina fatal. Olhando tudo em conjunto, desconfio que, na soma de tantos e tamanhos erros, alguma coisa deveria dar certo. Como no caso do prêmio da Loteria Federal incansavelmente procurado.

Se durante 40 anos eu tivesse comprado todos os dias um bilhete, talvez tivesse ganho alguma coisa, não digo o maior prêmio, mas algum tipo de consolação que me daria a esperança, o alento para continuar insistindo.

Felizmente - e para diminuir o prejuízo da operação - houve algum lucro. Duramente aprendi que tudo tem um preço e que não precisava ter me esbofado tanto para lucrar tão pouco.

Outro dia, folheando um jornal ao lado de um amigo tarimbado no mesmo ofício, fomos identificando os lobbies de cada um, o itinerário de cada produção, o roteiro de cada sucesso, o calvário de cada fracasso.

Tudo tão óbvio, tudo tão primário que, de repente, chegamos à conclusão de que não são os jornalistas que fazem o ofício, e sim os lobistas de diversos tamanhos, feitios e intenções.

São eles que pressionam para que determinado ministro apareça mais do que outro, para que determinado artista brilhe mais do que o colega, para que determinado assunto tenha mais peso em determinada edição.

Hora a hora, minuto a minuto, na feitura de um jornal, de uma revista ou na reunião de pauta do departamento de jornalismo das redes de TV, o lobby direto ou indireto, explícito ou camuflado, atua sem trégua, criando estratagemas que vão da garrafa de uísque no Natal ao acesso privilegiado de determinada fonte, passando pelos subornos menores, socialmente tolerados, como o almoço no restaurante caro ou o tapinha nas costas para mostrar intimidade.

No tempo de meu pai, que foi jornalista a vida inteira, a imprensa era subornada com a mesa do lanche que os dirigentes esportivos, que então se chamavam "paredros", promoviam no meio tempo das partidas.

Durante a semana, avisava-se nas Redações que o Fluminense ou o Botafogo ofereceriam um lanche aos "rapazes da imprensa" entre o primeiro e o segundo "half time" --e os ditos rapazes surgiam aflitos e famélicos, em busca dos sanduíches de salame e dos copos de guaraná na generosa boca-livre daqueles tempos.

Hoje, o furo é mais em cima. Em linhas gerais, e apesar das idas e vindas da profissão, a imprensa subiu de nível social e econômico, mas continua gravitando em torno dos ricos e dos poderosos.

A estrutura do poder de tal modo se acomodou à imprensa (a operação contrária também se verificou, com a imprensa se acomodando à classe dirigente) que hoje a Presidência da República, os ministérios, os departamentos de primeiro escalão, os bancos, as administrações estaduais e municipais, as principais empresas e até mesmo os principais indivíduos dispõem de um serviço de assessoramento de imprensa altamente remunerado.

No caso dos jornalistas, nem sempre a sujeira é individual, às vezes é, mas em escala pequena. Ficou famosa a anedota atribuída a Alcindo Guanabara, um dos primeiros jornalistas a integrar a Academia Brasileira de Letras. Hoje, é nome de rua importante no centro do Rio.

Em uma Semana Santa, o editor pediu que Guanabara escrevesse um artigo sobre Jesus Cristo. Alcindo estava consultando o programa do Jóquei Clube, era viciado em apostar nos cavalinhos. Completamente desligado da data religiosa, levantou a cabeça e perguntou: "Contra ou a favor?"

É isso aí. Existem profissões sujas. No caso do jornalismo, a sujeira talvez nem chegue a ser individual (às vezes é, mas em escala pequena).

De uma forma ou de outra, para sobreviver nela é confortador saber que vendemos nossa alma diariamente por um copo de guaraná e um sanduíche de salame.

Às vezes, nem isso.

o caso Folha x Falha: a liberdade de expressão em jogo


De Renato Rovai, em seu blog na Revista Fórum:

No próximo dia 20 será julgado, em segunda instância, o caso Falha de S.Paulo x Folha de S.Paulo. Trata-se de um julgamento de fundamental importância para a defesa da liberdade de expressão.

O site Falha de S.Paulo, criado pelos irmãos Mário e Lino Bocchini, era uma divertida paródia do jornal Folha de S.Paulo e brincava com os recorrentes erros da publicação da família Frias. Porém, Lino e Mário mexeram em um verdadeiro vespeiro. Uma vez parodiada, a Folha convocou ao ataque seus advogados

Com apenas um mês do site no ar, a Folha de S.Paulo entrou na Justiça e conseguiu censurá-lo. O juiz, em julgamento de primeira instância, determinou o congelamento da página por “concorrência desleal” e por provocar suposta “confusão” no leitor.

Pois bem, não vejo como o Falha de S.Paulo pode ser acusado de concorrência desleal contra o gigante Folha de S.Paulo. O Falha não tinha qualquer remuneração: assinantes, venda ou qualquer outra forma de obtenção de lucro. E muito menos pretendia concorrer com os Frias, uma vez que seus públicos são completamente distintos.

O mais interessante é que a ação movida pelo jornal sequer apresentava o argumento de “concorrência desleal”. A ação contra a Falha era baseada no suposto uso indevido da marca do periódico e na confusão que poderia gerar nos seus leitores.

Este caminho também está totalmente equivocado. Falha e Folha não se confundem. A brincadeira com o nome é simplesmente um recurso para que a paródia seja facilmente identificável com o seu alvo. O leitor jamais iria entrar no site Falha de S.Paulo e acreditar que está acessando o site da Folha. Um é uma paródia, com brincadeiras de uma ironia fina; o outro, pretende ser um site de notícias “sérias”.

Um dos casos concretos na jurisprudência apresentado pelo jornal na sua peça inicial refere-se a uma empresa que utilizou-se do nome Dall para a venda de computadores, causando assim confusão com a marca Dell entre os consumidores. Porém, neste caso, o intuito de ambas é o mesmo, a comercialização de produtos de informática. Algo completamente distinto do caso Folha x Falha, onde uma parte é uma empresa de comunicação com fins comerciais e, a outra, uma paródia sem qualquer finalidade comercial.

“O site não possuía sequer um banner comercial. A tese de confusão entre os sites é um desrespeito com o próprio leitor da Folha de S.Paulo. Não vejo como um leitor entraria em um site que, por exemplo, associa a figura do Otávio Frias com o personagem Darth Vaider, e acreditar que estava acessando o site da Folha”, afirma Lino Bocchini.

No campo dos exemplos, prefiro citar o que foi apresentado pelo relator especial da ONU, Frank La Rue, durante visita ao Brasil. La Rue citou o jornal norte-americano The New York Times, que já sofreu diversas sátiras semelhantes à Falha de S.Paulo, como a feita pelo site Not New York Times, e nunca acionou judicialmente aqueles que o criticavam.

“É o mais lógico”, disse o relator. “É interessante esse uso da ironia que vocês fizeram usando as palavras Folha e Falha. Uma das formas de manifestação mais combatidas hoje em dia, e que deve ser defendida, é o jornalismo irônico”, defendeu La Rue.

Apesar da tentativa de manipulação dos fatos pelos advogados da Folha de S.Paulo, o pano de fundo do julgamento passa longe de questões como concorrência desleal, uso indevido de marca ou confusão no público leitor. Trata-se de uma disputa judicial onde a questão central é a liberdade de expressão. O direito à paródia e à sátira como forma de crítica, não importando o quão poderoso seja o seu alvo.

Leia a análise de Lino Bochini sobre os possíveis desdobramentos do caso:

"Esse julgamento é importante porque, segundo o próprio juiz de primeira instância, trata-se de um caso inédito na Justiça brasileira. A disputa que está posta, é um suposto desejo da Folha de defender sua marca e, de nossa parte, a defesa da liberdade de expressão. A jurisprudência que se abrirá para um lado é importantíssima. Em caso de vitória da Folha, outras empresas que quiserem censurar blogueiros ou qualquer conteúdo na internet ganhará uma nova arma. Bastará usar o mesmo argumento vago de “uso indevido da marca” e pronto. A boa notícia é que, no caso de vitória nossa, a jurisprudência que se abre é a favor da coletividade. Ou seja, se outra empresa quiser censurar alguém por via judicial, terá mais dificuldades.

"Essa questão coletiva é um dos motivos que tornou o caso tão visado. O outro é o que nos motivou a criar a falha: seu jornalismo extremamente partidário, travestido de imparcial. Isso não é contra lei. Mas denunciar a hipocrisia do jornal, que tem lado e claras preferências políticas, também é permitido. E é esse direito que queremos ter assegurado."

Leia também: Relator da ONU critica jornal Folha de S. Paulo por censura a blogue (aqui)

a publicidade afasta-se das crianças


Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM, no Estadão de ontem:

A publicidade brasileira acaba de tomar uma decisão histórica. Ela vai tratar com mais respeito as crianças. Vai ficar mais longe delas. A notícia é muito boa tanto para a própria publicidade, que com isso ganha mais respeitabilidade, como, principalmente, para a infância. Em doses exageradas, inescrupulosas, abusivas, a propaganda faz mal para o público infantil. Deve ser servida com moderação.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), entidade do próprio mercado publicitário, cujos códigos não têm força de lei, mas são de adesão voluntária e criteriosamente cumpridos, distribuiu agora, no início de fevereiro, uma nota oficial anunciando novas regras - com novas restrições - para os comerciais destinados às crianças. Entre outras novidades, o merchandising não será mais admitido. Não para o público infantil.

Já era tempo. O merchandising é um dos artifícios mais capciosos da indústria da propaganda. Não tem o formato do anúncio tradicional, aquele que é veiculado nos espaços comerciais claramente delimitados, como os intervalos da televisão, por exemplo, e assim, disfarçado de não anúncio, tenta ser mais convincente. O merchandising vai ao ar dentro do programa principal, como se fosse parte da história. É bastante usado nas novelas. O leitor há de lembrar. Sem mais nem menos, sem a menor congruência narrativa, a atriz fala para a outra que vai ao banco "tal" e que o banco "tal" é uma beleza, com um gerente, menina, que é uma simpatia só.

Marcas de esmalte, de xampu, de macarrão, de carro, de celular invadem a trama e lá permanecem, roubando a cena. A peso de ouro, por certo. O merchandising custa caro. É uma operação de mercado com preços tabelados, preços altos, mas seu segredo é se disfarçar, é passar seu apelo de consumo como se não fosse publicidade paga.

Que isso seja empregado para aliciar consumidores adultos desavisados, vá lá, apesar da deselegância constitutiva da coisa toda. Agora, voltar essa máquina contra olhos infantis chega a ser covardia. A própria nota do Conar reconhece "a necessidade de ampliar-se a proteção a públicos vulneráveis, que podem enfrentar maior dificuldade para identificar manifestações publicitárias em conteúdos editoriais". Atenção: o Conar admite, com todas as letras, que os públicos infantis são "vulneráveis" e precisam de proteção. Que bom que o próprio mercado publicitário - representado pelo Conar - dê mais esse passo. Histórico.

A notícia é boa também por duas outras razões.

A primeira é que os vetos ao merchandising e outras práticas - como o emprego de "crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo" - não chegam à publicidade brasileira por meio de uma medida autoritária. Ao contrário, as novas normas de proteção da infância brotam do amadurecimento natural da mentalidade dos próprios agentes de mercado. Desde 1978 o Conar vem-se firmando como um dos casos mais bem-sucedidos de autorregulação do mundo. Suas decisões nunca são contestadas. Embora não seja um órgão estatal, tem legitimidade e representatividade para retirar campanhas do ar, como já fez muitas vezes. Não é exagero dizer que o Conar é um fator civilizatório na publicidade brasileira.

A segunda razão para comemorar as novas regras é que elas ajudam a esclarecer que a liberdade de anunciar produtos não é exatamente igual à liberdade de expressão do pensamento. As duas têm status distinto na democracia. A liberdade de manifestação, de externar opiniões, assim como a liberdade de imprensa, compõe um direito fundamental inviolável. Um cidadão tem o direito pleno de, digamos, escrever um artigo em jornal defendendo a legalização da maconha e de sugerir um projeto de lei para legalizá-la. Com a publicidade é diferente. Uma agência de publicidade não tem o direito de fazer uma campanha enaltecendo o consumo da maconha do tipo A ou do tipo B. Não porque os publicitários, que também são cidadãos, não tenham liberdade de se manifestar - isso todos temos. Essa agência não pode fazer anúncio de maconha de nenhum tipo porque a maconha não pode ser legalmente comercializada - e a comunicação publicitária está subordinada às leis que regulam o mercado.

A publicidade comercial é uma extensão do comércio devidamente legal. Assim, só se podem anunciar as mercadorias e os serviços cuja comercialização não conflite com a legislação vigente. Portanto, a liberdade de anunciar não se enquadra no rol das liberdades fundamentais de informar e de ser informado. A publicidade veicula ideias e conceitos, ou algo próximo a isso, mas não realiza o direito de expressão do pensamento. Ela é uma atividade acessória do comércio, subordinando-se, logicamente, às leis do comércio.

Para sorte do País, a postura do Conar nesse episódio não se deixou confundir com o fanatismo dos fundamentalistas, segundo os quais qualquer senão a um comercial de refrigerante traz em si a mesma violência dos atos que censuram a imprensa. Ora, são matérias inteiramente diversas. Uma não tem nada que ver com a outra. O Conar não censura nada nem coisa nenhuma, apenas zela pela credibilidade do seu ramo de atuação. Anunciar quinquilharias para crianças de 5, 6 anos de idade por meio de subterfúgios e técnicas de dissimulação, por favor, isso, sim, pode ser visto como uma violência inominável. Isso, sim, conspira contra a credibilidade do mercado anunciante, em seu conjunto, e corrói a reputação de todo o setor.

Quanto ao mais, o uso de merchandising e de anúncios testemunhais para seduzir o público infantil - que é, sim, vulnerável - já não se admitem em diversas democracias. O Brasil também não precisa mais desse primitivismo. E vamos em frente, porque há mais a fazer.

338 'homocídios' registrados no Brasil em 2012


Mesmo com campanhas esclarecedoras e com os movimentos de diversidade sexual cada vez mais organizados e preparados para obter conquistas, a homofobia ainda é uma realidade cruel no país. É o que aponta o mais recente relatório elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, no qual foram registrados 338 assassinatos de gays, lésbicas e travestis. "Nunca antes na história desse país foram assassinados e cometidos tantos crimes homofóbicos. A falta de políticas públicas dirigidas às minorias sexuais mancha de sangue as mãos de nossas autoridades”, destaca o documento.

O que o relatório chama de "homocídio” revela, com clareza, o quanto ainda se falta avançar em termos de respeito e tolerância ao ser humano, independente de sua cor, classe ou orientação sexual, e o quanto as organizações de direitos humanos ainda têm o que fazer para reverter este quadro criminoso.

No documento, chama atenção a forma violenta de como se dá esses assassinatos motivados pela homofobia: são mortes provocadas por armas de fogo, com facas, foice, machado e até tesouras, além de uso de paus, pedras e marretas, afogamentos, violência sexual, torturas. Em oito das mortes registradas, as vítimas foram queimadas. Outras oito levaram mais de dez perfurações à bala, dentre elas está o caso do estudante Dimitri Cabral, da cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba, que foi morto com 19 tiros.

O Grupo Gay da Bahia vem fazendo este relatório anualmente e, conforme os dados comparativos, o número de assassinatos está crescendo consideravelmente, chegando a 27% com relação ao ano passado quando foram registrados 226 mortes. Trata-se de um crescimento de 177% nos últimos sete anos. Os dados mostram que dos assassinados, 56% eram gays, 37% eram travestis, 5% lésbicas e 1% bissexual.

O trabalho do GGB também identifica por região em que lugares esses crimes têm mais ocorrência. E o Nordeste lidera concentrando 28% dos assassinatos. De acordo com o documento, Alagoas – com 18 homicídios – é considerado o estado que apresenta mais perigo para os homossexuais. A Paraíba vem em segundo com 19 mortes e o Piauí em terceiro com 15 assassinatos.

Em declaração disponível no relatório, o antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia, afirmou que estes dados não mostram a realidade, pois os números podem ser bem mais expressivos.

"A subnotificação destes crimes é notória, indicando que tais números representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, já que nosso banco de dados é construído a partir de notícias de jornal, internet e informações enviadas pelas Ongs LGBT, e a realidade deve certamente ultrapassar em muito tais estimativas”, disse.

(Via)

sem tetos reformam o próprio prédio no centro de São Paulo

Fachada do prédio em março do ano passado (esquerda) e neste ano (direita).
Foto: Projeto Mauá 340 / Piero Locatelli (via)

De Piero Locatelli, na Carta Capital:

A fachada do prédio no número 342 da rua Mauá era cinza, suja e pichada. Até o final ano passado, ainda era marcada pelo abandono que o edifício sofreu no final da década de 90, quando o antigo hotel Santos Dumont fechou e o edifício foi largado pelos proprietários. A frente do prédio hoje está pintada de vermelho e branco. Chama atenção em meio às lojas espremidas ao lado da estação da Luz, numa região central mas negligenciada em São Paulo.

A frente do prédio é parte de uma mudança maior que ocorre no local. Sem ajuda do poder público, os sem teto estão reformando o edifício e deixando-o melhor para os cerca de mil moradores que ocupam o prédio. O local começou a passar por mudanças no ano passado com o auxílio de estudantes da USP (Universidade de São Paulo) participantes do Projeto Mauá 340.

A reforma do quadro de luz foi a primeira delas. Velho e desorganizado, oferecia risco de incêndio ao prédio. O problema foi diagnosticado em um relatório feito pelos estudantes e publicado na internet. Os advogados do proprietário levaram a situação à Polícia Militar, argumentando que as famílias deveriam sair do local devido ao perigo de incêndio. “Aquilo serviu de lição para a gente arrumar. Trouxemos dois profissionais que entendem e conseguimos mudar o quadro. Hoje, o perigo é bem menor,” conta Ivaneti Araújo, líder da ocupação.

A fachada ganhou uma cara nova no final do ano passado, quando foi pintada por moradores com o dinheiro arrecadado dentro da ocupação. Agora, os sem teto estão fazendo uma reforma hidráulica. Os antigos canos metálicos estão sendo trocados por modelos mais novos. A mudança deve acabar com os vazamentos e permitir uma nova pintura para a parte interna do prédio, que ainda tem o antigo visual de abandono.

Risco de despejo
As reformas foram feitas mesmo com o risco iminente de despejo. Três reintegrações de posse foram marcadas enquanto o trabalho era desenvolvido no ano passado. “Era uma sensação de que iria tudo por terra a qualquer momento”, disse Felipe Zveibil, recém-formado engenheiro civil pela USP.

O proprietário pediu a reintegração pela primeira vez pouco antes da ocupação, ocorrida em 2007, completar cinco anos. Sem a certeza de que continuariam no local no dia seguinte, os moradores continuaram a reforma enquanto a disputa judicial se alongava. “É para quebrar esse tabu que sem teto é um bando de vagabundo, que não quer nada com a vida. Aqui não. Aqui têm famílias, pessoas legais, trabalhadoras. Vale a pena lutar por elas e com elas,” diz Ivaneti.

Ela conta que o trabalho melhorou a autoestima dos moradores. “Quando as coisas foram acontecendo, a maioria das famílias falava algo como: ‘poxa vida, lá na rua José Paulino estão comentando que os sem teto compraram aquele prédio’. Isso significa que o trabalhador de baixa renda pode morar no centro. Essa coisa de querer nos empurrar para fora daqui porque não cuidamos de onde vivemos está errada”.

Além das reformas pontuais no local, os sem teto pedem uma mudança mais perene no edifício, que não pode ser feita por conta própria. Eles querem a sua desapropriação e a inclusão no programa de habitação Minha Casa, Minha Vida. Atualmente, o edifício acumula dividas de IPTU superiores a 2,6 milhões de reais.

Os estudantes desenvolveram um projeto que está servindo como base das reivindicações. Pela estimativa deles, a reforma custaria 4,5 milhões de reais, com mudanças no edifício que permitiriam a inclusão no programa de habitação.

Com o prédio reformado, restariam 160 unidades, um número menor que as 237 famílias do local. Os sem tetos demandam que os apartamentos sejam direcionados aos moradores e que os outros sejam incluídos em programas da prefeitura. ”Vamos fazer um trabalho todo para que elas saiam com a garantia de volta”, diz Ivaneti.

Desta forma, os moradores têm a possibilidade de ficar em um local próximo à oferta de empregos, transporte e comércio, em vez de se isolarem em algum conjunto habitacional na periferia da cidade.

A postura da prefeitura sobre a ocupação ainda não está definida. O secretário de habitação José Floriano já se encontrou com os líderes da ocupação e pediu um levantamento das demandas. A secretaria, porém, ainda não definiu se deve desapropriar o prédio. Até lá, os sem teto prometem agir por conta própria.

essas crianças que nos dominam‏


De Marina Colasanti, em sua coluna de ontem no Estado de Minas (via):

A menina aparece de repente na esquina entre duas gôndolas de produtos de beleza, passa por mim correndo, desvia de um carrinho, para, pega num produto, larga de volta na prateleira, fala sozinha e sai correndo. “Sofia!”– chama a mãe, empenhada na leitura de uma embalagem. Sofia não responde. “Sofia, vem pra cá”, ordena a mãe sem convicção. Sofia não vem. A mãe acabou a leitura, empurra seu carrinho repetindo ordens de que Sofia não toma conhecimento. Sofia, calculo quando torna a passar por mim correndo, deve ter uns 4 anos. E já sabe que quem manda ali é ela.

Adam Mansbach, um americano esgotado pelas manhas da filha de 2 anos, acabou transformando-as em dinheiro ao vender mais de 500 mil exemplares do seu livro Go the fuck to sleep (Vai para a porra da cama "Vai dormir, porra"). Não li o livro, mas o título soa mais como um rompante humorístico do que como o enunciado de uma tese sobre educação. E 500 mil pais o compraram, ávidos para saber como se manda um filho de apenas 2 anos para a cama.

Poderiam ter lido o livro da mãe tigresa Amy Chua, que com um decálogo de apenas cinco pontos mostra, em termos domésticos, como e por que a China ganha tantas medalhas de ouro em esporte e tantos lugares de destaque nas orquestras. É simples, desde pequeno deve-se proibir ao rebento: dormir fora de casa, brincar com outras crianças, assistir à TV ou jogar videogame. E exigir: ser sempre o primeiro em tudo, tocar piano ou violino com perfeição. Como arremate: qualquer nota escolar abaixo de 10 não deve ser tolerada.

Na década de 1960, embarquei na educação da minha primeira filha com o olhar iluminado de quem ouviu vozes. Eu e a minha geração tínhamos ouvido o apelo libertário de Alexander S. Neil, que, com sua experiência em Summerhill, nos exortava a romper os grilhões educativos das crianças. Liberdade sem medo era o lema. Somava-se à famosa frase da psicanalista francesa Françoise Dolto: “As crianças têm só direitos; os pais, obrigações.”

Assim, de soma em soma, chegamos ao ponto que nos desespera, o império das crianças dominadoras.

Elas não obedecem, porque os pais acham que obedecer é submeter-se e a submissão enfraquece o caráter. Elas exigem veementemente tudo o que querem, porque os pais estão convencidos de que negar seus desejos equivale a criar frustrações. Elas questionam a autoridade, porque os pais não a exercem com convicção. Elas não conhecem limites porque nenhum limite lhes é imposto. Como escreveu um jornalista francês, são desde cedo “drogadas no prazer imediato”.

Programados, esperados ansiosamente, fotografados desde o útero, nomeados bem antes de nascer, louvados, treinados para o fascínio das marcas e o exercício da posse, adestrados em aulas e cursos para brilhar em qualquer domínio, esses filhos muitas vezes únicos, e para quem se quer dar tudo o que não se teve, não são exatamente mais felizes do que o foram as crianças de outros tempos. E nada nos leva a crer que venham a ser mais aptos para a vida.

Educar os filhos é uma lenha, sobretudo porque só nos é permitido acertar. Mas parece evidente que, entre a rigidez da mãe tigresa e o pobre pai em desespero, existe um ponto intermediário mais equilibrado, aquele que, sem tantas fórmulas ou decálogos, se deixa guiar pelo bom senso.

7 de fev. de 2013

combater o crack sem imposição, falando a língua dos dependentes?

Marco Aurélio, para o Zero Hora, via

Do blog de Leonardo Sakamoto:

Marcos Lopes é ex-usuário e ex-traficante. Abandonou o tráfico em 2002, segundo ele, graças ao estudo. Formou-se em Letras e escreveu o livro Zona de Guerra (publicado em 2009 pela Matrix Editora) no qual narra sua trajetória. É fundador do Projeto Sonhar e, aos 29 anos, se dedica a apresentar portas de saída da dependência química e do mundo do crime a outros jovens em bairros da Zona Sul de São Paulo.

Marcos escreveu um artigo para este blog sobre a internação compulsória, política que foi adotada recentemente em São Paulo e tem gerado polêmica. Segundo ele, é possível convencer dependentes do crack a buscarem tratamento sem usar da violência, falando a mesma língua que eles.

Por que a internação compulsória de usuários não é a melhor solução para lidar com a droga, por Marcos Lopes
Os veículos de comunicação e redes sociais tem nos bombardeado com a discussão sobre a internação compulsória de dependentes químicos. Fazem parecer algo simples e banal definir o destino de pessoas que vivem às margens de uma sociedade caótica, de uma educação falida e de uma saúde precária. Mas tirá-los à força das ruas e trancafiá-los num hospital, sob efeito de remédios, só causará ao usuário mais indignação, revolta e até uma posterior recaída.

De dentro de suas salas com ar-condicionado, médicos e representantes do governo traçam políticas públicas para consertar uma realidade da qual eles não têm a menor noção porque nunca a vivenciaram. Por alguns anos, usei cocaína e fui traficante e afirmo que ninguém entra nesse mundo simplesmente porque quer virar “noia” ou se tornar andarilho. Há todo um contexto que deve ser levado em consideração. O histórico de vida do dependente: quem é ele, de onde veio, quem são seus pais, irmãos e principalmente: qual é o sonho desse indivíduo. Muitas vezes ele quer deixar aquele mundo, trabalhar e reconstruir sua família, mas o vício é algo incontrolável que nos tira o raciocínio e a sanidade.

Por isso, mais do que simplesmente tirá-los das ruas, é preciso oferecer-lhes ferramentas para ajudá-los a reconstruir outra vida pós-crack. E o usuário precisa se convencer de que alcançará esses objetivos depois de largar o vício. Como dizia Nietzsche: “detesto quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia”. O poder público quer tirar os dependentes de seu uso solitário da droga, mas o que pretende oferecer depois às pessoas que tem o centro da cidade como casa, o lixo como refeição, as ruas como escola e a sociedade como inimiga? Retirá-los à força das cracolândias do país é simplista. O difícil é mostrar-lhes um caminho alternativo depois do tratamento. E para isso o governo ainda não ofereceu respostas ou alternativas.

O tratamento compulsório é ineficiente, pois o usuário ficará afastado do vício somente por um período. Depois ele voltará às ruas, encontrará as mesmas pessoas, o mesmo ponto de tráfico e não necessariamente deixará de usar cocaína ou crack. Compulsoriamente, ele também tomará os remédios exigidos pelos médicos da instituição pela qual passará. Só mudará o tipo da droga e da dependência.

Já convencer o dependente a largar o vício é oferecer-lhe, em parceria com ele, uma nova opção de vida. Trata-se de resgatar sua autoestima e apontar como ele pode fazer efetivamente parte da sociedade. É fazê-lo deixar a clínica de cabeça erguida e mostrar que ele é digno de viver por si próprio e não sobreviver de comportamentos perversos para conseguir a droga. E disso depende o tipo de abordagem do técnico e sua maneira de falar, olhar, tocar e gesticular. O dependente deve sentir que a pessoa que o aborda sabe do que está falando, que é conhecedor do problema dele não porque simplesmente viu pela TV, mas por já ter vivido situação semelhante ou já ter ajudado pessoas assim.

Em vez de usar da força, o educador tem de ser persuasivo, afetivo e emotivo. Deve-se insistir de acordo com o espaço que o usuário lhe dá e isso acontecerá ora sim ora não. Quando não houver diálogo e uma aproximação, o melhor é voltar outro dia. E quantos outros forem necessários. Quem usa crack não confia em qualquer pessoa. Quantos não passaram na vida dele fazendo promessas e depois foram embora sem sequer dizer adeus? O vínculo afetivo é extremamente importante, senão a principal arma para se aproximar do usuário, uma vez que ele é arisco, desconfiado e dificilmente deixa pessoas de outras “tribos” e realidades chegarem perto dele.

Convencê-lo a deixar esse mundo de exclusão em troca da realização de um sonho é o que Projeto Sonhar vem fazendo no Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. Por meio do vínculo afetivo e recuperação da autoestima, o programa tem como finalidade orientar e resgatar toda a pessoa em situação de vulnerabilidade decorrente do contato com as drogas. Somos facilitadores de ações educativas que possibilitem criação de oportunidades ao usuário. Desde 2008, 30 garotos foram retirados do tráfico e do vício e hoje estão a caminho de realizar suas aspirações, sem recaídas.

É o caso, por exemplo, de Anderson, de 22 anos, morador do Parque Santo Antônio. Ele usava drogas, principalmente crack, com sua mãe desde os nove anos de idade. Foi numa abordagem direta e verdadeira que ele aceitou nossa proposta de tratamento. No primeiro contato, ele só disse que era usuário. Na segunda abordagem, o levamos para almoçar e ele se abriu. Contou-nos que queria parar de usar drogas para poder cuidar da mãe e dos irmãos. Tinha o sonho de se sentar à mesa de refeições pela primeira vez com outras pessoas e comer como gente. Também queria aprender a ler, a escrever e tentar um emprego com carteira assinada. Anderson topou se internar após saber que este educador já havia passado pela mesma situação que ele. E havia saído dela vitorioso.

Foram estabelecidos alguns acordos, como em qualquer parceria. Anderson cumpriria seu tratamento e eu levaria utensílios, mantimentos, medicamentos, material higiênico à sua família durante os meses que ele ficasse em recuperação. Após visitá-lo na clínica, a mãe também decidiu se tratar. Diagnosticada com um câncer, porém, ela faleceu tempos depois. Mas não sem antes ter realizado o sonho do filho que era ouvir dela: “Filho, vá comprar o pão”, ao invés de “Anderson, vá buscar a pedra”.

Hoje Anderson Odorico trabalha, estuda, cuida dos irmãos mais novos e é membro do Projeto Sonhar. Assim como Anderson, Edcarlos, Guilherme e Genildo também eram viciados. Perderam empregos, se afastaram da escola e da família. Hoje cada um deles se dedica a ajudar pessoas com o mesmo problema e com o mesmo sonho que um dia eles tiveram e que viram se tornar realidade tempos depois.

Nossa metodologia funciona pelo fato de falarmos a mesma língua dos usuários e por estarmos constantemente presentes em suas vidas. Todas as pessoas de sua convivência, como familiares e vizinhos, têm o telefone do projeto e podem recorrer a nós sempre que precisam. Isso lhes transmite confiança e nos dá credibilidade para continuar o trabalho.

Para fazer esse serviço funcionar como uma política pública é preciso estabelecer parcerias com comunidades terapêuticas para onde seriam encaminhados os usuários que aceitassem o tratamento por livre e espontânea vontade. Educadores que conheçam a área de atuação e, de preferência, tenham vivenciado aquela realidade também são peças fundamentais nesse processo. Ex-usuários poderiam ser recrutados para fazer esse trabalho. Outra medida essencial é o atendimento às famílias dos dependentes. Elas precisam saber como lidar com os novos hábitos, valores e costumes do indivíduo depois que ele deixar a clínica. Também é necessário se criar uma rede de apoio para que ele não tenha recaídas e continue a viver abstinente. Além de escolas e unidades básicas de saúde (UBS) locais, seria importante contar com a retaguarda de centros de atendimento ao trabalhador (CATs), agências de emprego, e cursos profissionalizantes para recolocá-los de volta ao mercado.

Só assim eles se sentirão importantes à sociedade.

a invasão real da África não está nos noticiários

Desembarque francês sobre Timbuktu, jan/13 (via)

De John Pilger, 31-01-13, traduzido e publicado no site português resistir.info em 09-02-13:

Uma invasão da África de grandes proporções está em andamento. Os Estados Unidos estão a instalar tropas em 35 países africanos, a começar pela Líbia, Sudão, Argélia e Níger. Isto foi informado pela Associated Press no Dia de Natal, mas passou desapercebido pela maior parte da mídia anglo-americana.

A invasão pouco tem a ver com "islamismo" e, quase tudo a ver com a aquisição de recursos, nomeadamente minérios, e com um acelerar da rivalidade com a China. Ao contrário da China, os EUA e seus aliados estão preparados para utilizar um grau de violência já demonstrado no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iémen e Palestina. Tal como na guerra-fria, uma divisão de trabalho exige que o jornalismo ocidental e a cultura popular providenciem a cobertura de uma guerra sagrada contra um "arco ameaçador" de extremismo islâmico, não diferente da falsa "ameaça vermelha" de uma conspiração comunista mundial.

A recordar a Luta pela África no fim do século XIX, o US African Command (Africom) construiu uma rede de pedintes entre regimes colaboracionistas africanos ansiosos por subornos e armamentos americanos. No ano passado, o Africom ensaiou a Operação Esforço Africano (Operation African Endeavor), com as forças armadas de 34 países africanos a nela tomarem parte, comandadas por militares estado-unidenses. A doutrina "soldado para soldado" do Africom insere oficiais dos EUA a todo nível de comando, desde o general até o primeiro-sargento.

É como se a orgulhosa história de libertação da África, desde Patrice Lumumba até Nelson Mandela, estivesse destinada ao esquecimento por uma nova elite colonial negra ao serviço do mestre cuja "missão histórica", advertiu Frantz Fanon há meio século, é a promoção de "um capitalismo desenfreado embora camuflado".

Um exemplo gritante é o Congo Oriental, um tesouro de minerais estratégicos, controlado por um grupo rebelde atroz conhecido como M23, o qual por sua vez é dirigido pelo Uganda e o Ruanda, os procuradores de Washington.

Planeada há muito como uma "missão" para a OTAN, para não mencionar os franceses sempre zelosos, cujas causas coloniais perdidas continuam em prontidão permanente, a guerra à África tornou-se urgente em 2011 quando o mundo árabe parecia estar a libertar-se dos Mubaraks e outros clientes de Washington e da Europa. A histeria que isto provocou em capitais imperiais não pode ser exagerado. Bombardeiros da NATO foram despachados não para Tunis ou Cairo mas sim para Líbia, onde Muammar Kadafi dominava as maiores reservas petrolíferas da África. Com a cidade líbia de Sirte reduzida a escombros, as SAS britânicas dirigiram as milícias "rebeldes" para o que se revelou como um banho de sangue racista.

O povo nativo do Saara, os tuaregues, cujos combatentes berberes Kadafi havia protegido, fugiu através da Argélia para o Mali, onde os tuaregues desde a década de 1960 reivindicam um estado separado. Como destaca o sempre vigilante Patrick Cockburn, é esta disputa local, não a Al-Qaeda, que o Ocidente mais teme no Noroeste da África... "por pobres que possam ser, muitas vezes os tuaregues vivem em cima de grandes reservas de petróleo, gás, urânio e outros minérios valiosos".

Quase certamente a consequência do ataque francês/estado-unidense ao Mali em 13 de Janeiro, o cerco a um complexo de gás na Argélia que acabou de forma sangrenta, inspirou em David Cameron um momento 11/Set. O antigo relações públicas da Carlton TV enfureceu-se acerca de uma "ameaça global" que exigiria "décadas" de violência ocidental. Ele queria dizer a implementação dos planos de negócios do Ocidente para a África, juntamente com a violação da Síria multi étnica e a conquista do Irão independente.

Cameron agora ordenou o envio de tropas britânicas para o Mali e enviou para lá um drone da RAF, enquanto o seu prolixo chefe militar, general sir David Richards, dirigiu "uma mensagem muito clara a jihadistas de todo o mundo: não nos provoquem e não nos embaracem. Trataremos disto de forma robusta" – exactamente o que jihadistas querem ouvir. O rastro de sangue de vítimas do terror do exército britânico, todos muçulmanos, seus "sistémicos" casos de torturas actualmente a caminho do tribunal, acrescenta ironia às palavras do general. Certa vez experimentei os meios "robustos" de sir David quando lhe perguntei se lera a descrição da corajosa feminista afegã Malalai Joya do comportamento bárbaro de ocidentais e seus clientes no seu país. "O senhor é um apologista do Taliban" foi a sua resposta (posteriormente desculpou-se).

Estes comediantes lúgubres são extraídos directamente [do escritor] Evelyn Waugh e permitem-nos sentir a estimulante aragem da história e da hipocrisia. O "terrorismo islâmico", que é a sua desculpa para o roubo continuado das riquezas da África, foi praticamente inventado por eles. Já não há qualquer desculpa para engolir a linha da BBC/CNN e não conhecer a verdade. Leiam Secret Affairs: Britain's Collusion with Radical Islam de Mark Curtis (Serpent's Tail) ou Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism, de John Cooley (Pluto Press) ou The Grand Chessboard de Zbigniew Brzezinski (HarperCollins) que foi o parteiro do nascimento do moderno terror fundamentalista. Com efeito, os mujahedin da Al-Qaeda e os Talibans foram criados pela CIA, o seu equivalente paquistanês, o Inter-Services Intelligence, e o MI6 britânico.

Brzezinski, conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, descreve uma directiva presidencial secreta em 1979 que principiou aquilo que se tornou a actual "guerra ao terror". Durante 17 anos, os EUA deliberadamente cultivaram, financiaram, armaram e fizeram lavagem cerebral a extremistas da jihad que "saturaram de violência uma geração". Com o nome de código Operation Cyclone, este foi o "grande jogo" para deitar abaixo a União Soviética mas que deitou abaixo as Torres Gémeas.

Desde então, as notícias que pessoas inteligentes e educadas tanto distribuem como ingerem tornou-se uma espécie de jornalismo Disney, fortalecido, como sempre, pela licença de Hollywood para mentir e mentir. Está para ser lançado o filme Dreamworks sobre a WikiLeaks, uma trama inspirada por um livro de tagarelices pérfidas de dois jornalistas do Guardian que se enriqueceram, e há também o A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty), filme que estimula a tortura e o assassínio, dirigido pela ganhadora do Oscar Kathryn Bigelow, a Leni Riefenstahl do nosso tempo, que promove a voz do seu mestre tal como fez a realizadora de estimação do Führer. Este é o espelho de sentido único através do qual nós mal vislumbramos aquilo que o poder faz em nosso nome.

a filha do tempo

Via (compare aqui)

De Luís Fernando Veríssimo, no Globo de hoje (via):

Ricardo III, cuja ossada acaba de ser descoberta sob um estacionamento em Londres, é o melhor – ou, no caso, o pior – dos vilões de Shakespeare. Nenhum outro tem, como ele, tanta consciência da própria vilania e a exerce com tanto gosto. O Ricardo III do Shakespeare e da História é um monstro que manda matar seus pequenos sobrinhos para herdar o trono, seduz a viúva de um homem que acaba de matar e comete um sortimento de maldades para se manter no poder – sempre festejando seu próprio mau caráter. Foi o ultimo rei da Inglaterra a morrer em combate e, segundo Shakespeare, na véspera da batalha em que perderia a vida (pedindo “Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo!””) é visitado pelos fantasmas de suas vitimas, e ouve de todos mesma imprecação: “Desespere, e morra!”.

Mas Ricardo III pode ter sido injustiçado, pela história e por Shakespeare. Uma escritora escocesa de livros policiais chamada Josephine Tey colocou o herói de várias das suas histórias, o inspetor Alan Grant da Scotland Yard, numa cama de hospital com uma perna quebrada e sem nada para fazer. Para combater o tédio Grant resolve investigar, usando apenas livros e documentos que lhe são fornecidos por um amigo pesquisador, a verdadeira história do suposto tirano. A conclusão do inspetor e da sua criadora é que Richard III não era nada do que diziam dele. Talvez a sua deformidade física – ele era corcunda, o que foi comprovado pela ossada recém recuperada – tenha contribuído para a sua fama de monstro. Mas não há registro histórico da sua monstruosidade. Nenhum documento da época menciona as pobres crianças presas na Torre de Londres até o tio desalmado mandar matá-las. E além de tudo Grant, contemplando um retrato dele pintado na época, deduz que aquela não é a cara de um assassino. Antes é de um doce de pessoa.

O título do livro de Josephine Tey é A filha do Tempo. Vem da frase de autor desconhecido “A verdade é filha do tempo” . Os fatos que geram a História são alterados pela má memória, pela interpretação conveniente, pela ornamentação fantasiosa, por tudo que vem com o tempo depois do fato. Com o tempo o mito vira realidade e a realidade vira mito. Mas é só dar mais tempo ao tempo que a verdade aparecerá.

O exame dos ossos de Ricardo III não revelará nada sobre sua personalidade mas é provável que o novo interesse pela sua figura resulte numa correção da injustiça. O que não seria mais do que a História está lhe devendo.

de Cabral, a Cabral a Cabral


De Egon Dionísio Heck, assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul, para o Adital:

Quando os povos indígenas do Brasil imaginavam estar livres dos "Cabrais”, do início da invasão, até o da Constituinte de 1988, quando o então Bernardo Cabral tentou eliminar os povos indígenas através de seu substitutivo, eis que ressurge outro Cabral, o governador do Rio de Janeiro, para negar direitos indígenas. Sempre com nobres intenções: "civilizar, desenvolver, aculturar, 'turismar', até fazer estacionamento...". E nesse jogo pra inglês ver, conforme Romário, vale tudo. Até comunicados oficiais dizendo ser uma ofensa às aldeias indígenas, atribuir tal nome aos "indígenas invasores do prédio do ex-museu do índio".

É jogo duro. Os povos indígenas que o digam. A Copa do Mundo e as Olimpíadas estão aí no horizonte próximo. E aí vale tudo, ou quase tudo. Não é apenas um pequeno grupo de indígenas que estão ameaçados de remoção. Conforme matéria do The New York Times, em março do ano passado, "170 mil pessoas serão despejadas até Copa do Mundo e Olimpíadas" (FSP, 2/02/13).


O jogo duro do agronegócio
A capitã, Kátia Abreu, já está com o time em campo há tempo. Promete erradicar as "inseguranças jurídicas”, o quanto antes. Afinal de contas eles são os donos do campo e da bola. Os Guarani-Kaiowá, Terena... que se cuidem. O jogo promete ser pesado. A treinadora espera contar com o apoio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Se não ganharem no campo, no tapetão será certo. E não tem tempo para esperar. Essa semana mesmo já terá um encontro de alto nível, conforme podemos constatar:

"Lideranças rurais dos Estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, acompanhados pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, entregaram à presidente Dilma Rousseff um documento relatando a insustentável situação de insegurança jurídica vivida pelos produtores que tiveram suas propriedades invadidas por grupos indígenas e cidadãos paraguaios na fronteira do Mato Grosso do Sul e do Paraná, nos municípios de Iguatemi, Douradina, Itaporã, Paranhos, Tacuru, Coronel Sapucaia e Ambaí, além de Guaíra e Terra Roxa, respectivamente. A presidente da República determinou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e à ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que recebam uma representação de produtores e a presidente da CNA, no próximo dia 7 de fevereiro, em Brasília, para tratar do assunto (publicado em 04/02/2013).

A solução conforme Kátia (Cabral) Abreu
"Para a presidente da CNA, é fundamental que o STF confirme o efeito vinculante das condicionantes do julgamento da Raposa Serra do Sul, ao julgar os embargos declaratórios impetrados junto ao tribunal”. Somente assim, a AGU (Advocacia Geral da União) poderá reeditar a Portaria 303, convertendo as orientações do STF em ato normativo. Dessa forma, acredita que será possível restabelecer a segurança jurídica nas áreas rurais invadidas ou em conflito por ameaças de invasão. A senadora Kátia Abreu informou que visitará o STF na próxima semana, quando pretende "manifestar a sua preocupação com a questão” (publicado em 04/02/2013).

Os povos indígenas terão um jogo duro pela frente. Demarcar, garantir as terras e implementar políticas públicas condizentes, será muito difícil, pois os estádios de futebol estão atrasados, os sistemas viários para o bom fluxo dos turistas, estão devagar quase parando e alguns até já suspensos... E ainda vem os índios exigindo recursos para suas terras, saúde, educação, produção... Assim não vai ter gol. Mas a Secretaria Especial da presidência da República já assumiu a questão Kaiowá-Guarani, como prioridade das prioridades. A questão agora é entrar em campo e fazer o gol.

Povo Guarani Grande Povo, início de fevereiro, véspera de carnaval de 2013.

* * *

Atualização em 08-02-13:
Na madrugada de 07 para 08 de fevereiro, "coincidentemente", houve um princípio de incêndio na Aldeia Maracanã (leia aqui) - assim como é coincidência que tantas favelas em São Paulo venham sofrendo incêndios, justamente em áreas posteriormente valorizadas pela especulação imobiliária (leia aqui). O jogo é duro, muito duro.

ainda a teologia da estupidez


“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos,
nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”
- Martin Luther King

Mais um excelente comentário acerca da entrevista de Malafaia, agora de Alyson Freire na Carta Potiguar (vale a pena ler na íntegra aqui). O bom de manifestações explícitas do mais rematado preconceito e estupidez como essa é a reação dos bons, tirando-os do seu silêncio. :-)

Não há surpresas ou novidades quando o pastor Silas Malafaia fala. Cada vez em que é entrevistado ou empresta sua voz para algum programa de natureza política ou religiosa, assistimos e ouvimos o mesmo desfile de preconceitos, inverdades e sofismas. Bem sabemos que os disparates e infâmias habituais de sua retórica convicta e fundamentalista enojam e irritam. Entretanto, convém não perder a capacidade, e a paciência, de nos chocarmos e nem “acomodar com o que incomoda”, como diz a letra de uma bela canção.

E por que não devemos nos calar ou tão simplesmente dar de ombros, ignorar a ignorância? Porque o silêncio nos torna cúmplices da ignorância. Aliás, se é verdadeiro que em certas circunstâncias o silêncio pode ser mais eloquente do que a palavra, em outras o silêncio é o adubo fértil para o crescimento da ignorância e da barbárie. Por isso, cabe não calar. Falar a verdade ao poder e criticar os preconceitos é combater incansavelmente contra o silêncio que naturaliza ambos.

Voltemos, pois, a Malafaia, este paladino e missionário do ódio. Coube a jornalista Marília Gabriela a hercúlea tarefa de suportar o discurso de Malafaia, entrevistando-o em seu programa “De Frente com Gabi”. E se a jornalista por vezes se exaltou com as afirmações do pastor ou por este a atropelá-la em suas perguntas e raciocínios, penso que ela aguentou em nome de um compromisso com a verdade e com a sensatez; afinal, a mentira para ser desmascarada deve ser antes exposta.

O que disse o pastor desta vez? Num exemplo cristalino de homofobia cordial, disse que amava os homossexuais da mesma forma como ama os bandidos: “Eu amo os homossexuais como amo os bandidos”. Este amor misericordioso que Malafaia afirma cultivar não passa de um ardil ideológico que finge aceitar e acolher mas apenas para tentar “corrigir”, “reorientar”, “ajustar”. Em outras palavras, domesticar e “curar” a homossexualidade segundo os “meus valores” e “minha verdade”. Não creio que os homossexuais precisem deste amor denegador da liberdade e da autonomia individual. O amor de Malafaia é um amor tutelar, de correção moral e interesseiro.

A correlação valorativa entre “homossexuais” e “bandidos” é odiosa. Ela objetiva reforçar o vínculo entre homossexualidade e desvio, sustentando, sorrateiramente, a ideia de que a homossexualidade assim como o fenômeno da delinquência atenta e prejudica a sociedade.

(...) Quando prenuncia, num claro julgamento moral e especulativo, que a formação de famílias homoparentais ou a criação de filhos por casais homossexuais terá consequências sociais e psicológicas nefastas e nocivas, Malafaia esquece que, segundo Freud, a família independentemente das orientações sexuais do casal é a origem e o palco da maior parte dos problemas emocionais e psíquicos por conta dos conflitos subjetivos que envolvem a constituição do eu nas relações e identificações familiares. Aliás, a grande maioria das psicoses estudadas por Freud era produto das dinâmicas emocionais, repressivas e traumáticas da família vitoriana.

O artigo “Desconstruindo preconceitos sobre a homoparentalidade” dos psicólogos Jorge Gato e Anne Maria Fontaine cita diversos estudos psiquiátricos, psicológicos, sociológicos e antropológicos que desmentem as pré-noções estigmatizantes de que a criança em famílias homoparentais sofreria danos em seu desenvolvimento psicológico. Todos os estudos mencionados pelos autores foram unânimes na constatação da não-existência de uma excepcionalidade ou de diferenças substanciais que tornem a homoparentalidade especialmente danosa para o desenvolvimento emocional, cognitivo e sexual da criança em comparação às famílias heteroparentais. Inclusive, em algumas casos, de mães lésbicas, por exemplo, estudiosos verificaram um ambiente familiar no qual as crianças sentiam-se mais a vontade, livres e confiantes em discutir temáticas de caráter emocional e sexual, ocasionando um efeito positivo no desempenho escolar.

Em contrapartida, as dificuldades das crianças criadas em famílias homoparentais aparecem exatamente no plano das relações sociais, ou seja, obstáculos na aceitação e reconhecimento social por conta de contextos sociais discriminatórios como a escola. Mas, ainda assim, os estudos mostraram variações importantes nesse ponto a depender do país e região.

O que podemos concluir com os resultados das pesquisas científicas é que os problemas que estas crianças enfrentarão no futuro se devem precisamente de pessoas como Malafaia. Quer dizer, do preconceito, da intolerância e da ignorância que Malafaia pratica, semeia e propaga.

Portanto, o que atrapalha e lesa o desenvolvimento psicológico e social é o preconceito e a intolerância, os quais Malafaia transforma em bandeira. As religiões se tornam nocivas à humanidade quando são eivadas de ódio e ignorância por profetas fundamentalistas e intolerantes que alimentam incompreensões. (...)

Leia também: Malafaia e os que se deixam pautar por ele (aqui), Conselho Federal de Psicologia repudia declarações de Silas Malafaia (aqui) e Carta a Silas Malafaia: Pastor, me ajude! (aqui)
Assista ao vídeo em que a jurista Maria Berenice Dias responde à entrevista de Malafaia (aqui)

um parlamento imutável


Mauro Santayana, para o JB (via):

Os argumentos dos que contestam a eleição dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados podem ser outros – e não nos cabe analisá-los. O que incomoda à consciência dos mais bem informados é a permanência dos mesmos atores políticos no poder ao longo dos lustres e dos decênios. Como lamentava o jornalista José Aparecido durante o período da Ditadura, o único consolo é que podemos contar com a inexorável sucessão biológica.

Dois fatores, um mais antigo, e outro mais recente, contribuíram para a situação atual: a Ditadura, que impediu, mediante todos os artifícios do poder, a renovação dos quadros políticos, e o instituto da reeleição para os cargos executivos. A Ministra Carmem Lúcia disse, com acuidade, que a reeleição quebra o equilíbrio que deve haver, nas disputas políticas, entre o governo e a oposição. Podemos entender, no sentido lato, dentro de nossa língua e da nossa visão de Estado, que, como governo, compreende-se o poder executivo e a maioria parlamentar que o apóia. Com a reeleição, a vantagem dos que se encontram no poder esmorece e dificulta a ação dos opositores.

Entre 1926, quando houve a última eleição regular da República Velha, com a vitória de Washington Luís (a de 1930 foi politicamente espúria com a quebra das regras federativas e a fraude explícita) e a morte de Getúlio, em 1954, passaram-se 28 anos, sendo que oito deles sob o Estado Novo. Não obstante isso, houve notável renovação dos quadros políticos, conforme a composição do Congresso e da Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Se examinarmos a história dos últimos 30 anos – de 1983, com a posse dos governadores eleitos no ano anterior, e este início de ano de 2013, podemos verificar que o comando do poder legislativo sofreu poucas alterações. É certo que novos partidos surgiram, como o PT, mas o controle efetivo continua com as velhas oligarquias, em uma aliança entre os senhores de engenho, os capitães do agronegócio, os controladores do capital financeiro e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros, com seus escritórios em São Paulo. Repete-se, de alguma forma, o que havia no Império, com a aliança entre os exportadores de açúcar do Nordeste e os comerciantes da praça do Rio de Janeiro.

Contribui também para isso a deformação do sistema representativo, com o superdimensionamento das bancadas dos pequenos estados e a redução das bancadas dos maiores. Deveríamos obedecer à lógica federativa, que determina a representação proporcional legítima dos Estados na Câmara dos Deputados, conforme sua população e eleitorado, e a representação paritária dos Estados no Senado. A essa deformação se acrescenta outra, ainda mais teratológica – os suplentes dos senadores.

Outros males, como a corrupção, existem em todos os países do mundo, mas esses aleijões republicanos são peculiares ao nosso sistema e só deixarão de existir quando a Nação exigir e obtiver a convocação de uma assembléia nacional constituinte originária, com o mandato único para redigir nova Carta, sem a intervenção dos atuais partidos.

Para isso, é preciso que os cidadãos honrados deixem de protestar, arregacem as mangas, organizem-se e participem diretamente da luta política.
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