5 de fev. de 2013

"não queiram medir o quanto sou mulher"


Do espetacular depoimento da Hailey, do blog Transfeminismo, em seu guest post no Escreva Lola Escreva (leia na íntegra aqui):

(...) comecei a fazer as unhas e me depilar – comecei a fazer tudo o que é socialmente considerado feminino. De certa forma, nessa época eu achava que o “sacrifício” de ter que me arrumar todos os dias era o preço que eu deveria pagar por “querer ser mulher”. (...)

Somente alguns anos depois conheci o feminismo, e lentamente percebi o quanto essa cobrança me fazia mal. Mas no caso de nós, mulheres trans*, as coisas não são tão simples. Além da cobrança machista do ideal feminino, há outra cobrança. Para sermos “verdadeiramente” mulheres, devemos sacrificar todos os nossos “hábitos” masculinos. Caso contrário, seremos consideradas falsas, não transexuais o suficiente. Essa é a baliza que os profissionais da saúde utilizam para medir quem é mais ou menos transexual.

Não preciso dizer o quanto é ridículo, senão inútil, tentar medir transexualidade. Gênero é algo fluido e complexo, e obviamente não tem como ser medido sem cair em estereótipos (machistas). Sinto que levei (e ainda levo) uma vida dupla. No consultório, tenho que mentir: dizer que sou heterossexual (quando sou bi); repetir a narrativa tradicional encontrada nos manuais (pseudo)científicos (como o discurso do “sempre me senti mulher”); mostrar “feminilidade” etc. Os critérios que esses ditos profissionais utilizam são os mais machistas possíveis: A mulher trans* de verdade é a mulher da década de 50: usa salto e maquiagem, roupas femininas, fala delicadamente e seu sonho é ter um marido macho para poder lhe fazer o jantar. E não estou exagerando.

Se as mulheres cisgêneras (não trans*) conquistaram, digamos, em partes, a recusa dessa imagem, nós mulheres trans* ainda estamos presas a um ideal ultramachista de mulher que, se não nos encaixarmos, teremos nossas identidades automaticamente invalidadas, nosso acesso à saúde negado, e nossa alteração do prenome e/ou sexo nos documentos também negados. Nossa existência está constantemente por um fio caso fizermos os gestos errados, caso digamos as palavras erradas, ou se contarmos alguma experiência que fuja minimamente do tradicional. (...)

Aprendi que não preciso depilar minhas pernas para ser mulher, não preciso me portar como mulher (seja lá como for isso); preciso somente ser eu e me identificar como mulher. A categoria de mulher independe de (meus) genitais (e consequentemente de quaisquer cirurgias), pois eu sou apenas um tipo diferente de mulher -- assim como existem mulheres altas e baixas, gordas e magras, com seios maiores ou menores, enfim, com várias morfologias -- minha morfologia é somente uma a mais dentro do espectro que é ser mulher. (...)

Claro, não são todas as pessoas trans* que conseguem isso. Muitas irão fazer várias cirurgias, e essas não devem ser criticadas. Eu creio que cada um tem a capacidade para decidir como se sente melhor, se deseja ou não realizar alterações corporais. A minha experiência é apenas uma dentre as várias diferentes vivenciadas por pessoas trans*. Por isso, costumo dizer que não há uma narrativa legítima para ser trans* -- existem narrativaS.

Por fim, gostaria de reiterar o caráter fluido da transexualidade. Não há receita de bolo. Todxs somos diferentes. Encontraremos, certamente, as pessoas trans* mais alinhadas com a cisgeneridade (estrutura que designa quem é homem/mulher “de verdade”; a estrutura que confere originalidade aos corpos percebidos como "naturais”), e encontraremos aquelas que divergem da norma, assim como existem homens e mulheres cis que são muito diferentes do ideal machista de gênero (ainda bem!). Sendo cis ou trans*, pagaremos o preço do desvio. Mas vamos seguir lutando para subverter as categorias rígidas de gênero.

Não deixe de ler o depoimento completo, aqui.


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