5 de fev. de 2013

para além da tolerância, abraçar o meu irmão


O geneticista Eli Vieira responde às colocações de Silas Malafaia em sua entrevista com Marília Gabriela (saiba mais aqui).

Vi algumas pessoas criticando-o por ter reduzido a questão da orientação de gênero à genética. Não me parece que seja tanto isso, mas sim que ele tenha se preocupado em, dentro da sua área de conhecimento, refutar os argumentos apresentados por Malafaia e apontar sua falta de fundamentação. De tudo o que ele diz, porém, creio que o mais importante é que "a genética não existe mais na sua versão determinista do início do século XX". Nossa carga genética se atualiza a partir da nossa interação com o ambiente, ao longo da vida. Quem cada um de nós é será determinado por um misto único e irrepetível de influências genéticas, ambientais e culturais.

Por isso mesmo, e considerando-se a complexidade tanto do domínio da genética quanto das neurociências, todo o saber que já acumulamos nesse campo e tudo o que ainda não conseguimos desvendar, parece-me que toda tentativa de redução das questões de gênero e sexualidade à mera explicação genética, ou ambiental, ou familiar, ou cultural, será necessariamente simplista e falha. Por que será tão difícil admitir a magnitude do nosso desconhecimento e simplesmente acolher a existência do Outro, para além das minhas categorias preconcebidas de certo e errado?

Como tão bem colocou Marília Coutinho, irmã do cartunista Laerte, em seu texto sobre transgeneridade (não deixe de ler aqui), em última instância trata-se de uma questão de "transgressão de estereótipos", de superação das categorias preestabelecidas em que precisamos nos enquadrar e classificar toda a realidade para nela enxergar algum sentido. Em vez disso, como fazer para extrair sentido da diversidade? Como encontrar sentido na alteridade?

Talvez a oportunidade única que se apresenta para nós esteja justamente aí, no exercício de alteridade; no exercício de buscarmos, todos, um pouco mais de humildade para reconhecer que não, nenhum de nós é detentor da verdade, e a ninguém cabe julgar o grau de erro ou acerto nem de si mesmo, quanto mais do outro. Talvez estejamos diante da oportunidade de aprender a suportar a angústia da dúvida e do não-saber, suportar a tensão da diferença do Outro; suportar conviver, enfim, e quem sabe até abraçar mesmo Aquele que é intrinsecamente diferente de mim simplesmente por não ser Eu - e, para além da distância entre nós, nele enxergar meu Próximo; para além das diferenças, nele ver meu Igual, e meu Irmão.

Talvez toda a questão feminista, negra, gay, trans, e, em última instância, de gênero seja indício de uma nova era cultural que se anuncia, uma era de alteridade. Seremos capazes de fazer essa transição? Estaremos prontos para suportar a experiência do verdadeiro diálogo entre as diferenças? Conseguiremos superar as diferenças e encontrar, para além da mera "tolerância", a verdadeira fraternidade?


Leia também: Malafaia e os que se deixam pautar por ele (aqui), Ainda a teologia da estupidez (aqui), Conselho Federal de Psicologia repudia declarações de Silas Malafaia (aqui) e Carta a Silas Malafaia: Pastor, me ajude! (aqui)
Assista ao vídeo em que a jurista Maria Berenice Dias responde à entrevista de Malafaia (aqui)

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