26 de dez. de 2012

monumento a um jovem monolito


O Alex Castro propõe, no Papo de Homem (aqui), que, como um ritual, este texto do André Dahmer seja lido todo fim de ano - e que nos perguntemos, no final: então, estou virando (ou já virei?) um monolito?

"Ao completar trinta anos, você ganhará os olhos duros dos sobreviventes. Só verá sua amada na parte da manhã e da noite, só encontrará seus pais de vinte em vinte dias. E quando seus velhos morrerem, você ganhará um dia de folga para soluçar e gritar que deveria ter ficado mais próximo deles. Sorria, você é um jovem monolito e a vida vai ser pedrada. O trabalho é uma grande cadeia e você sentirá muito alívio por ter uma. A cadeia engrandece o homem, o sangue do dinheiro tem poder. Reze. Reze ajoelhado por uma carreira, dê a sua vida por ela. Viva como todo mundo vive, você não é melhor que ninguém. Porque o dinheiro move montanhas, o dinheiro é a igreja que lhe dará o céu. Sorria, você é um jovem monolito e o mundo é uma pedreira. Eles irão moer você todinho. De brinde, muitos domingos para chorar sua falta de tempo ou operar uma tendinite. Nas terríveis noites de domingo, beba. Beba para conseguir dormir e abraçar mais uma monstruosa segunda-feira. Aquela segunda-feira que deixa cacetes moles e xoxotas secas para sempre. A vida é uma grande seca, mas ninguém sente calor: Nas salas refrigeradas, seus colegas de trabalho fabricam informação e, frios, sonham com o dia dez do próximo mês. Você é o Babaca do Dia Dez, não há como mudar o seu próprio destino. Babaca que acorda assustado, porque ninguém deve atrasar mais de vinte e cinco minutos. Eles descontam em folha e você é refém da folha, do salário, do medo. Ninguém tem o direito de ser feliz, mas você ganhará a sua esmola de seis feriados por ano. E todos nós vamos enfrentar, juntos, um imenso engarrafamento até a praia. Para fingir que ainda estamos vivos. Para mostrar que ainda somos capazes de sentir prazer. Para tomar um porre de caipirinha sentado em uma cadeirinha de praia. É uma grande solução. E você ainda ganhará quinze dias de férias para consertar a persiana, pagar contas, fazer uma bateria de exames. Ninguém quer morrer do coração, ninguém quer viver de coração. Eu não duvido da sua capacidade de vencer: Lembre disso no primeiro divórcio, no primeiro infarto, no primeiro AVC."


25 de dez. de 2012

o que o natal nos propõe


De Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, no Adital:

As propostas para os dias de Natal são as mais diversas. Agências de turismo oferecem passeios paradisíacos. No comércio, há sempre um Papai Noel para dar algum presente que a pessoa tem de comprar. E em muitas famílias e empresas, Natal é época de comer e beber desenfreadamente. Além dessas propostas consumistas, Natal pode ser ocasião de bons encontros e confraternizações. Entretanto, se você quiser mais do que isso, lembre-se que, originalmente, Natal significa renascimento. Embora ninguém saiba a data exata do nascimento de Jesus, desde o século IV, os cristãos tomaram o 25 de dezembro, solstício do inverno no hemisfério norte, como referência para celebrar a vinda do Cristo, como sol que ilumina e dá sentido novo a nossas vidas. No hemisfério norte, o sol quase desaparece totalmente, quando, a partir desse dia do solstício, como que renasce e volta a brilhar no horizonte. Assim também, os cristãos festejam o nascimento do Cristo que renasce em nós para nos fazer renascer com ele. Por sua origem de festa solar, o Natal é mais a celebração do renascimento do que do simples nascer. Aliás, o que significaria nascer, se não fosse para se dispor a um constante renascer? O poeta Pablo Neruda afirmava: "Nascemos como esboço – É preciso sempre renascer. Nascemos para renascer”. Podemos dizer que renascemos toda vez que realizamos os passos que a vida exige. Eles acarretam um superar uma etapa que exige de nós como morrer para o jeito de ser anterior e assumir o compromisso de renascer para uma nova etapa de vida. Continuamente. Paulo escreve: "Quando eu era criança, pensava como criança, falava como criança. Ao me tornar adulto, deixei as coisas de criança” (1 Cor 13, 11). Em cada idade física, o ser humano larga uma idade e renasce para outra. Em uma conversa com Nicodemos, Jesus explica: "O que nasce conforme o mundo (ou no modo de falar hebraico: o que nasce da carne) é carne, ou seja, do mundo. O que nasce do Espírito é espírito. Por isso, insisto, é preciso nascer de novo, nascer do Espírito” (Jo 3, 7).

O sentido mais profundo da celebração do Natal é nos dispor a renovar em nós essa disposição do renovar-se interiormente, ou como diz Paulo: deixar de lado o velho modo de ser e revestir-se interiormente de um novo modo de ser. Conforme os evangelhos, foi isso que Jesus fez durante toda a sua vida. "Ele cresceu em sabedoria, em idade e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 40). Em grego, o termo "Cristo” significa "ungido” ou "consagrado”. Na história bíblica, vários profetas e personagens importantes foram chamados de Cristo ou de consagrado. Jesus de Nazaré viveu essa vocação de modo tão profundo e pleno que, ao dizermos "Jesus é o Cristo, o consagrado de Deus”, tomamos essa afirmação como se fosse um nome próprio: Jesus Cristo. E ele faz de nós irmãos seus porque nos dispõe para sermos também, cada um/uma do seu modo, Cristos, consagrados de Deus nesse mundo para testemunhar o projeto que Deus tem de amor e justiça para o universo.

A festa do Natal é a celebração desse novo renascimento. A cada ano, marcamos um passo a mais nesse caminho. Cada pessoa é chamada a fazer de sua vida uma gruta natalina, uma caverna que, como útero grávido, acolha o nascimento do novo ser que somos chamados a ser e que no Natal nos comprometemos a nos tornar: humanos como Jesus.

24 de dez. de 2012

nossa senhora do silêncio

Escultura: José Ismael

Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos.

É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio.

Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.

Eu não sei quem tu és. Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Como não te sonhar? Como não te sonhar Senhora das Horas que passam? Madona das águas estagnadas e das algas mortas. Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa. Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono.

Livra-me da religião, porque é suave; e da descrença porque é forte. Rezo a ti o meu amor porque o meu amor é já uma oração; mas nem te concebo como amada, nem te ergo ante mim como santa. Só tu, sol que não brilhas, alumias as cavernas, porque as cavernas são tuas filhas. Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta.

Sê a Noite Total e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de distância e negação... Seja eu as dobras do teu manto, as jóias da tua tiara, e o ouro outro dos anéis dos teus dedos.

Realizadora dos absurdos. Que o teu silêncio me embale, que o teu mero-ser me acaricie e me amacie e me conforte Anjo da Guarda dos abandonados. Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Mas tu, na tua vaga essência, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo uma realidade só tua. Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. Ocupas o intervalo dos meus pensamentos. Por isso eu não te penso nem te sinto. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua.

- Fernando Pessoa (via)

23 de dez. de 2012

o balconista arnaldo branco


Isso foi depois da internet, mas antes do "torrent": fui balconista de locadora de vídeo. "Que nem o Tarantino!", sim já ouvi essa várias vezes, só me falta a carreira em Hollywood.

Entrei em 1998, ano da transição do VHS para o DVD, portanto o aviso para rebobinar a fita ainda pairava sobre a minha cabeça em um cartaz na parede, como um mandamento solene.

Já estava velho para a função ("contingências do mercado de trabalho" era a desculpa que usava com a minha mãe), então gostava de fingir que estava lá pela oportunidade de estudar a plateia dos filmes que faria no futuro.

Não era uma mentira completa; na verdade poderia prestar consultoria para produtores de cinema sobre o que nossos espectadores querem ver na tela. Ou seja, nada de preto e branco, pouca conversa ("filme desse Woody Allen só tem gente falando") e é bom maneirar no experimentalismo: o mantra do público médio de locadora é "queria um filme leve, hoje não estou a fim de pensar".

E pornografia, por exemplo. Pessoas de vários estratos sociais pegavam filmes de sacanagem, mas percebi um estranho padrão entre os porteiros da área: só alugavam pornôs brasileiros. Perguntei o porquê e disseram que preferiam as mulheres gemendo em português; aparentemente existe diferença entre o "yes" e o "sim" na hora de fantasiar.

Mas não usei minhas horas de trabalho só para praticar pesquisa de mercado. Guardei muitas histórias bacanas, embora na maior parte das vezes estivesse cercado por pessoas apressadas e sem muita familiaridade com o conceito de fila. Na época, queria matar o autor da frase "o cliente sempre tem razão". Meu herói era Randal Graves, o personagem de Jeff Anderson em "O Balconista", filme do Kevin Smith de 1994, que tratava mal todos que tivessem o azar de entrar no seu estabelecimento.

Já tive que ajudar a separar uma briga de socos entre um cliente e um entregador (o entregador tinha razão, viu o que disse sobre a tal frase?), precisei empatar um casal que se trancou no banheiro e fui descontado na minha primeira semana porque um cara se associou com uma identidade falsa e levou oito lançamentos. Ok, essa não foi uma história bacana.

Alguns sócios da locadora eram umas figuras, como o cardíaco que ligava pedindo sempre pornôs e cigarros malocados no saco de entregas. Volta e meia uma ambulância parava em frente ao seu prédio. Tinha também a mulher chata de uma figura importante da MPB; quando ela finalmente brigou com o dono e pediu para se desassociar, demos uma festa para rasgar sua ficha.

A locadora ficava no Jardim Botânico, no meio da fina flor da burguesia carioca, o que foi mais uma lição sobre o "ethos" das nossas elites: era uma choradeira para pagar qualquer dívida, mínima que fosse. Uma cineasta (vou manter seu anonimato, ao qual aliás está acostumada) discutiu comigo por coisa de centavos em balas de menta, alegando achar que eram cortesia. Por mim até seriam, não fossem os balconistas também responsáveis pela "bombonière" e pelo fechamento do caixa, nos obrigando ao trabalho de corno de contar chiclete por chiclete e comparar o resultado com o montante na registradora --com desconto no salário quando os valores não batiam.

Enfim, tempo bom que não volta mais, graças a Deus.

Queria dedicar esse texto ao saudoso Marcão (que nos deixou em 2011), meu colega de balcão e rubro-negro como eu, e ao cliente vascaíno que torrava tanto o nosso saco que nos fez bater o camelódromo do Saara um dia inteiro até conseguirmos duas camisas do Real Madrid para recebê-lo no dia da derrota na final do mundial de clubes. O cara nunca mais voltou.

- Arnaldo Branco, cartunista, na Ilustríssima (Folha de S. Paulo) de hoje.

a 27ª vítima


De Dorrit Harazim, publicado no Globo de hoje (leia na íntegra aqui), sobre o massacre de Newtown (mais aqui)

(...) Todas as faixas, desenhos, mensagens, velas, bichos de pelúcia, buquês de flores que brotaram em Newtown honram os “26 anjos que nos guiarão”. Essas 20 crianças e 6 adultos viverão para sempre na memória local.

Só que foram 27 os fuzilados pelo jovem Adam Lanza, de 20 anos. Sua primeira vítima daquela tenebrosa sexta-feira 13 de dezembro foi a própria mãe, morta em casa com quatro tiros de rifle calibre .22 na cabeça. Só depois o surtado Adam rumou para a escola fundamental, onde executou as outras 26 vítimas.

Um único tributo, rabiscado numa folha de papel colada num pedaço de madeira, presta homenagem a Nancy Lanza em Newtown. “Outros se consolam mutuamente por escolhas que você teve de fazer sozinha. Quem nunca errou atire a primeira pedra”, diz um trecho do texto. (...)

Como se sabe, tanto o rifle de assalto Bushmaster M4 com o qual Adam executou a matança como as outras quatro armas encontradas em sua casa pertenciam à mãe e estavam devidamente registradas. A sra. Lanza seguia com convicção os preceitos de quem, nos Estados Unidos, se declara “adepto da sobrevivência” — grupo de pessoas em permanente estado de alerta para a erupção do caos social no país. Estocar mantimentos e armas e aprimorar a pontaria para se proteger do perigo fazem parte dos cuidados essenciais dessa tribo. (...)

Com o filho, a adepta da sobrevivência fazia exercícios regulares de tiro numa academia da cidade.

Segundo análise de dados estatísticos feita por Nate Silver, o festejado guru da mídia que acertou todas as previsões da reeleição de Obama no mês passado, a variável mais confiável para se prever a intenção de voto de um eleitor, nos Estados Unidos, é a posse de armas. Gênero, raça, faixa etária, renda familiar, educação, religião, domicílio — nenhum desses fatores é tão determinante na intenção de voto quanto a posse de armas.

Mais da metade dos casais com filhos pequenos que votam no Partido Republicano tem armas em casa. Entre eleitores democratas, esse número cai para “apenas” um em cada quatro casais. A média nacional americana está em três armas por domicílio.

Basta assistir à televisão nos Estados Unidos para saber que a cada ano 34 civis são mortos por armas de fogo. Em apenas seis meses, esse total iguala o número de militares americanos mortos nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

Nancy Lanza tinha, em casa, um filho problema e cinco armas. Inicialmente os moradores de Newtown a prantearam como vítima inocente, a ser computada e incluída nos memoriais. Pouco a pouco, sua memória começa a ser deslocada da condição de vítima para a de corresponsável pela tragédia de Newtown.

O problema não era apenas o filho, o morto de número 28 da chacina.

Menos de duas horas após o término do momento nacional de silêncio, o CEO da Associação Nacional do Rifle, a robusta entidade que promove e defende o armamento individual de todo cidadão, saiu da retranca que mantivera desde o massacre. “Só uma pessoa do bem com uma arma na mão é capaz de deter uma pessoa do mal que tem uma arma na mão”, declarou sem pestanejar Wayne LaPierre, em entrevista coletiva. Culpou a mídia, os videogames e a indústria do entretenimento pela matança e aproveitou para lançar novo apelo para que toda escola americana adote seguranças armados. (...)

Como observa Michael Moore (já postei aqui, mas nunca é demais repetir): "Somos um povo que se assusta com facilidade e é fácil de ser manipulado pelo medo. De que temos tanto medo, que necessitamos ter 300 milhões de armas de fogo em nossas casas? Quem vai nos ferir? Por que a maior parte dessas armas se encontra nas casas de brancos, nos subúrbios ou no campo? Talvez, se resolvêssemos nosso problema racial e nosso problema de pobreza (uma vez mais, somos o número um com maior número de pobres no mundo industrializado), houvesse menos pessoas frustradas, atemorizadas e encolerizadas estendendo a mão para pegar a arma que guardam na gaveta."

* * *


Desde semana passada, já vi esse texto em vários lugares (leia na íntegra aqui). É o depoimento pungente da mãe de um menino que talvez se pareça com Adam Lanza, o rapaz que cometeu o massacre de Newtown.

Eu sou a mãe de Adam Lanza

"(...) Eu vivo com um filho que tem problemas mentais. Amo meu filho. Mas ele me apavora.

Algumas semana atrás, Michael pegou um faca e ameaçou me matar e depois a si mesmo porque eu pedi que ele devolvesse na biblioteca os livros que já estavam atrasados. Os irmãos de 7 e 9 anos sabiam qual era o plano de emergência — correram para o carro e se trancaram antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa. Eu consegui tirar a faca de Michael, e depois metodicamente recolhi todos os objetos cortantes da casa e os coloquei dentro de uma sacola gigante que agora anda sempre comigo. Depois de tudo isso, ele seguiu gritando, me insultando e ameaçando me matar e me machucar.

O conflito terminou com três policiais corpulentos e um paramédico lutando com o meu filho para colocá-lo em um maca e levá-lo para a emergência do hospital local. A ala psiquiátrica não tinha nenhum leito livre no dia. Michael foi atendido no pronto socorro e nos mandaram de volta para casa com uma prescrição de Zyprexa e um retorno agendado com um psiquiatra infantil.

Ainda não sabemos o que há de errado com Michael. Espectro do Autismo, TDAH, Transtorno Explosivo Intermitente foram mencionados em reuniões com assistentes sociais, terapeutas, professores e pedagogos. Michael tem tomado uma enorme quantidade de antipsicóticos e drogas alteradoras de humor. Nada parece funcionar. (...)

No terceiro dia, ele era o meu calmo e doce garoto de novo, se desculpando e prometendo melhorar. Eu escutei essas promessas durante anos. Eu não acredito mais nelas. No formulário de internação, na pergunta “O que você espera do tratamento?”, eu escrevi, “preciso de ajuda”.

E eu preciso mesmo. Esse problema é grande demais para eu administrar sozinha.

Eu estou dividindo essa história porque eu sou mãe de um Adam Lanza. Eu sou mãe de um Dylan Klebold e um Eric Harris. Eu sou mãe de um James Holmes. Eu sou mãe de um Jared Loughner. Eu sou mãe de um Seung-Hui Cho. E esses rapazes — e suas mães — precisam de ajuda. No despertar de mais uma tragédia nacional, é fácil falar sobre armas. Mas é hora de falarmos sobre doenças mentais.

De acordo com uma revista especializada, desde 1982 —, 61 assassinatos em massa envolvendo armas de fogo aconteceram no país. Desses, 43 dos assassinos eram homens brancos, e apenas uma era mulher. A revista voltou seu foco para a questão dos assassinos terem obtido ou não suas armas legalmente (a maioria sim). Mas esse visível sinal de problema mental deveria nos levar a considerar quantas pessoas nos Estados Unidos vivem com medo, como eu vivo.

Quando eu perguntei para o assistente social que cuida do meu filho quais eram as minhas opções, ele respondeu que a única coisa a fazer é acusá-lo de um crime. “Se ele estiver no sistema, eles vão criar um rastro de documentos”, disse. “Essa é a única forma de conseguir que algo seja feito. Ninguém vai te dar atenção a menos que você tenha uma queixa formal.”

Eu não acredito que meu filho deva ir para a cadeia. Mas parece que os Estado Unidos estão usando as prisões como uma solução opcional para doentes mentais. De acordo com entidades de Direitos Humanos, o número de internos mentalmente doentes quadruplicou entre 2000 e 2006, e continua aumentando — na verdade a proporção de doentes mentais entre prisioneiros é cinco vezes maior que entre a população não encarcerada.

Ninguém quer mandar o gênio de 13 anos que ama Harry Potter e seu bichinho de pelúcia para a cadeia. Mas nossa sociedade, com o estigma que as doenças mentais provocaram o declínio do sistema público de saúde, não nos dá outra opção.

Aí então outra alma torturada atira em um restaurante. Um shopping. Uma classe de primeira série. E nós cerramos nossas mãos e dizemos: “Algo tem que ser feito”.

Eu concordo que algo tem que ser feito. É hora de uma significativa e abrangente discussão nacional a respeito da saúde mental. É o único jeito de realmente curarmos o país.

Deus me ajude. Deus ajude Michael. Deus ajude nós todos.

* * *


E vale ler as reflexões da Nanda, no Blog Mamíferas, a partir do massacre de Newtown e do filme Precisamos falar sobre Kevin, aqui:

(...) Em casos de atiradores adolescentes, até onde a culpa é dos pais? Porque precisamos culpar outras pessoas que não os atiradores? Não estou isentando o papel (ou ausência) dos pais na formação desses indivíduos, que em poucas instâncias sobrevivem para a realização de testes que comprovem sua psicopatia ou outras doenças mentais, mas será que está em nosso poder impedir que nossos filhos queimem mendigos, ou atropelem ciclistas, ou atirem em crianças na escola?

O medo do meu filho ser vítima é o mesmo medo de que ele seja o criminoso. Mas a culpa não é da mãe.
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