15 de dez. de 2012

acorda, raimundo!


Este filme, produzido pelo Ibase, com o apoio da CESE, trata de uma inversão dos papeis tradicionais na sociedade, a fim de dar ênfase ao cotidiano de milhões de mulheres que vivem sob o machismo e a violência. Dirigido por Alfredo Alves, conta em seu elenco com Eliane Giardini, Zezé Mota, Paulo Betti e José Mayer.

(Fonte)

um mundo sem estantes


Um amigo entra na minha casa nova, vê as estantes ainda vazias e começa o bombardeio: "Para que espaço para tanto livro? Livro está acabando".

Ele não quer saber da vista, de nenhum detalhe da obra, da arquitetura ou da decoração (não que eu tivesse algo a dizer sobre essas coisas, mas, enfim, era uma casa nova). O incômodo com as estantes é maior que tudo isso.

Para me safar do cerco, banco o moderno. "Claro que eu sei, os livros eletrônicos são o futuro. Mas isso aqui é para armazenar o que eu já tenho, entende? Até hoje guardo livros na casa dos meus pais, para você ter uma ideia."

Cascata, tática diversionista. Eu sabia que, se já estava sob tiroteio pesado, tudo iria piorar quando meu amigo visse a outra face do móvel. Ali, eu dava os primeiros passos para eliminar a bagunça dos meus CDs. E "in style", à moda gringa, ordenando por sobrenome.

Um serviço que, digamos, me dava certo orgulho. Mas o sentimento só dura até o próximo balaço: "E esse monte de lugar para CDs? CD não vai existir mais".

Em busca de trégua, sugiro sairmos para jantar. Encontramos a mulher dele. Como na faixa de Gaza, o cessar-fogo tem curta duração. "O Álvaro está maluco, botou um monte de estantes na casa nova, parece que não sabe que livros e CDs estão condenados."

Isso faz alguns anos. Nem preciso dizer que, tanto para livros quanto CDs, o espaço naquelas estantes, que pareciam obsoletas, está no fim. E o mais irônico: meu amigo, profeta do apocalipse do plástico e do papel, nunca chegou a comprar um leitor eletrônico de livros. Não tem Kindle nem iPad. Continua encomendando seus volumes de papel.

Já eu, dono do móvel ultrapassado, adotei o livro digital. O encanto inicial foi grande, até escrevi sobre isso. Caminho sem volta para um mundo sem estantes? Talvez não.

Há poucos meses, o ator Bruce Willis revelou que planeja algum tipo de ação legal contra a Apple. O objetivo é garantir que sua vasta coleção de música, em grande parte baixada na loja virtual de Steve Jobs, faça parte da herança que ele deixará às filhas.

Nas entrelinhas da burocracia, Willis descobriu que as músicas não são exatamente dele, nem de ninguém que as compra. São, de certo modo, alugadas. Se ele morrer, voltam para a Apple. Não quer deixar, para as três jovens, um legado de silêncio.

O pesadelo que Willis tenta evitar, uma mulher norueguesa já enfrentou. Identificada apenas como Linn, um dia ligou seu Kindle, o leitor eletrônico da Amazon. Ao conectar o aparelho à web, o golpe: todos os livros que já tinha comprado foram apagados em um segundo.

Seguiu-se um pesadelo kafkiano. Ao contatar a Amazon, foi informada de que havia problemas de fraude em uma outra conta, também associada a ela. Como punição, todas as contas estavam sendo canceladas. Adeus, livros digitais.

Só um problema: ela não tinha nenhuma outra conta. Era claramente um engano. Mas a Amazon se recusava a dar detalhes. Linn não tinha como se defender.

Alguns escritores souberam do caso, e passaram a divulgá-lo. Só a partir daí a situação foi aparentemente resolvida. Os livros eletrônicos foram restituídos a Linn, independente do status da conta.

O futuro desse universo cada vez mais digital é cheio de riscos. Imagine: colapso na nuvem. "Crashes" de servidores, fibras ópticas rompidas, blecautes em série nos principais polos hi-tech da Terra.

Nos primórdios da web, uma situação assim teria uma consequência grave: internet fora do ar. Grave, porém única. Músicas, filmes e demais arquivos baixados pela rede estariam a salvo, guardados nos computadores das casas das pessoas.

Mas, hoje, tudo mudou. Um crash gigantesco seria muito mais devastador. Porque cada vez menos gente armazena em casa seus arquivos digitais. Está tudo em servidores poderosos, espalhados pelo mundo. Nessa nuvem, digital e amorfa.

Não é fora de propósito imaginar um cenário de perda de contato com ela. Sem livros físicos, sem CDs, os arquivos digitais perdidos na nuvem isolada. A distopia digital extrema. O mundo das ideias salvo pelas estantes.

- Álvaro Pereira Jr., para a Folha de S. Paulo, 08-12-12 (via)

Em tempo:  o que você fez com as enciclopédias que tinha em casa?

cairo, a cidade eterna


Parte da magia desta grande cidade, mesmo quando abalada por turbulências políticas, reside na sua aparente capacidade de absorver qualquer revolta, desafiar as probabilidades, superar tudo -dos engarrafamentos à burocracia- e sobreviver. Como o Nilo, a sua referência, o Cairo tem o fascínio do eterno.

A grandeza de nenhum edifício resiste à marcha de poeira, e, no entanto, a cidade retém algo da sua inefável majestade. As lutas dos seus muitos milhões de habitantes estão sempre aparentes, mas sua dignidade em meio às dificuldades é menos visível. A cidade derrota verdades simples.

Isso é bom. Gostamos das nossas verdades simples hoje em dia. Preto ou branco é o que queremos. "Só que", responde o Cairo, "eu sou cinza!".

A turbulência política do Egito pós-revolucionário é óbvia. Menos óbvia é a forma como a sabedoria e o bom humor daqui temperam e moldam os fatos. Uma coisa é viver num país como a Síria, com fronteiras desenhadas no começo do século 20 por algum burocrata britânico dispéptico, onde a tentação da dissolução nunca está muito abaixo da superfície. Outra coisa é ser parte de uma terra e uma cultura tão antigas quanto as do Egito.

Comecei a pensar nisso durante a rebelião de dois anos atrás na praça Tahrir, que levou à queda de Hosni Mubarak. Toda noite, dezenas de milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças, saíam da praça através do estreito espaço entre dois tanques. O potencial para um desastre era alto. Um momento de pânico ou de afobação poderia levar a um tumulto e a um banho de sangue. Mas a civilidade, o respeito e a paciência prevaleceram.

Tais verdades nos dizem mais sobre as perspectivas de longo prazo de um país do que fatos mais imediatos e chamativos. A humanidade da Itália, o otimismo do Brasil e a abertura dos EUA são qualidades que as estatísticas não conseguem mensurar. Da mesma forma, não há contagem ou pesquisa que identifique essa qualidade que encontrei na praça Tahrir. Não é à toa que o Egito, ciente do preço e da inutilidade da guerra, foi o primeiro país árabe a fazer a paz com Israel.

Gosto de parar no Cairo para sentir os ritmos da cidade. Como muitos lugares, o Cairo oferece dois universos distintos.

Há os estabelecimentos globalizados, reluzentes, com ar-condicionado, onde você toma um café com leite pelo mesmo preço de Paris ou Nova York. Aqui o tempo corre na velocidade do século 21. Noticiários e desfiles de moda passam na TV.

E há então o mundo lento no qual a maioria dos cairotas vive e ri, com suas espeluncas oferecendo chá ou café doce e porções de feijões ("ful"). Você poderia viver feliz durante alguns dias com os feijões não globalizados pelo preço de um daqueles cafés globalizados. Muitos cafés no mundo lento oferecem "shishas" (narguilés) para fumar tabaco com aroma de maçã enquanto você vê o dia ir embora. É um ritual agradável de observar. Um homem de movimentos precisos abana as brasas, sacudindo-as em uma concha metálica escurecida, antes de colocá-las com uma pinça, uma a uma, no narguilé. Nada é feito com pressa aqui, porque nada vai mudar.

Confundimos atividade e movimento com realizações. Pode-se ganhar mais com uma pausa. Cada época tem suas ilusões. Recentemente, li uma revista de 1938. Um editorial dizia: "A máquina deixou os homens frente a frente como nunca antes na história. Paris e Berlim estão mais perto hoje do que aldeias vizinhas estavam na Idade Média. Em certo sentido, a distância foi aniquilada".

Isso foi mais de meio século antes da invenção da internet. É importante desacelerar, no mínimo porque estamos longe de ser os primeiros humanos a acreditar que o mundo se acelerou. Mesmo no mundo lento do Cairo há surpresas. Enquanto eu fumava "shisha" num modesto estabelecimento da rua Kasr el Nil, uma amiga observou que o local anunciava uma conexão wireless.

"Qual é a senha?", perguntou ela ao proprietário.

"Nike", respondeu ele, que continuou passando um café.

(Roger Cohen, para a Folha de S. Paulo, em 10-12-12. Via)

como combater os injustos sem se parecer com eles

Transeunte rasga banner de manifestantes da TFP contra o casamento LGBT (Via)

De Miriam Martinho, para o Um Outro Olhar (leia na íntegra aqui):

Uma das principais críticas aos movimentos sociais, principalmente por sua vertente politicamente correta, é de que seus membros se fazem de vítimas o tempo inteiro, colocando-se como ofendidos por qualquer coisa, da mais banal a mais séria. Parte dessa crítica é procedente. Há mesmo muito "ofendidismo" circulando nos diferentes tipos de ativismo, e, como diria Hegel, quem exagera no argumento prejudica a causa.

Entretanto, algumas das forças políticas que criticam esse ativismo "excessivamente sensível" por acaso agem de forma diferente? Não se fazem de vítimas aqueles que na verdade, com base em dogmas religiosos, vivem perseguindo, por exemplo, homossexuais, lutando contra a igualdade de direitos entre as pessoas em nome de bíblias, famílias e outras tantas? Saem pregando a discriminação e posam de vítimas!? Posam sim.

(...) Naturalmente, a hipocrisia dessa gente faz o sangue de qualquer um(a) ferver, mas ataques contra esses tipos, sobretudo físicos, só os beneficiam. Depois eles fazem uma compilação das reações agressivas das pessoas, indignadas contra sua lixeira religiosa, como no vídeo abaixo, e posam de vítimas, falando com voz calma e postura tranquila que - tadinhos - os LGBT é que são intolerantes e contrários à liberdade de expressão. E essa imagem cola!

Quem já praticou alguma arte marcial sabe muito bem que para vencer uma luta não basta técnica mas sobretudo precisa-se de controle emocional. Campeões mantêm a cabeça fria, o coração, ameno. Aliás, a raiva é a maior inimiga do bom senso em geral. O ativismo LGBT precisa fazer um pouco de psicodrama antes de enfrentar essa conservalha pelo visto tanto nos EUA seja quanto no Brasil.

Nos tempos do movimento pelos direitos civis dos negros americanos (1955-1968), os ativistas, influenciados pelo pacifismo de Gandhi, faziam manifestações não-violentas contra o racismo, como os célebres sit-ins. Entravam nos lugares só para brancos, sentavam-se e lá ficavam sem serem atendidos ou sem reagir às agressões e às prisões que acabaram ocorrendo. Eles treinavam para isso, e deram fim, no médio prazo, à infame segregação pela via dessas ações. Por isso, deixo também um vídeo sobre os sit-ins daquela época à guisa de recordação de um bom tempo onde os oprimidos sabiam se distinguir claramente de seus opressores. Quem sabe a lembrança não sirva de inspiração para se repensar formas mais justas de agir contra os injustos nos dias de hoje. Na base do olho por olho, como diz um ditado, todo mundo acabará cego.



* * *

O amigo Hugo Nogueira comenta e colabora:



"O curioso que os hinos do movimento gay são músicas de discoteca. Nesse vídeo foram usadas as únicas imagens da Revolta de Stonewall, que deu origem ao movimento gay moderno, além disso, imagens das primeiras paradas que se seguiram, cata o cartaz com a imagem de Jeus escrito Why?, e da vitória de Harvey Milk."

silent night


Mais um. O que dizerSleep in heavenly peace.

14 de dez. de 2012

o sistema midiático, como controle social por parte do poder, acabou


(...) A reviravolta, para Castells, é a crise econômica, por ele definida como "a primeira crise global, não global": as redes do poder, políticas e econômicas, nos países ocidentais, através dos meios de comunicação de massa, difundem a ideia de que o crise é global para poder fazer com que as populações paguem as contas dos crimes econômicos, políticos e sociais que foram perpetrados por eles através dos bancos e das especulações financeiras.

Mas a crise não é global, pois aflige exclusivamente os países ocidentais que representam no máximo 30% da população mundial (pensemos nas economias emergentes, todas em crescimento, como os países que integram a sigla BRIC – Brasil, Rússia, Índia, China). E é nesse cenário que, para Castells, o sistema midiático, como o conhecemos, ou seja, como expressão do controle social por parte das redes de poder, acabou:

"O monopólio da comunicação de massa acabou, e essa é a mudança mais importante na história da comunicação. As pessoas hoje são capazes de criar redes de comunicação horizontais de modo multimodal, sem nenhum controle de governos ou empresas. Sim, há tentativas de controlar, mas há alguns fatores que o impedirão: a) em todos os Estados, há uma proteção jurídica para a livre expressão; b) as pessoas podem reagir, mudando, por exemplo, as regras; c) as pessoas são capazes de contornar o controle e sempre encontram o modo de se comunicar na internet. Mesmo na China".

E é justamente através da rede internet que puderam se desenvolver movimentos internacionais [e também aqui] como os Indignados espanhóis, o Occupy Wall Street nos EUA e também as revoluções da Primavera Árabe.

Castells afirma que o jornal impresso não tem futuro, não porque esteja vinculado por um improvável (para ele) determinismo tecnológico, mas sim ainda na ótica da mudança do cenário político-social que foi o campo no qual o jornal impresso, como medium, se afirmou: "O nosso mundo é online. Cerca de 97% de todas as informações existentes no planeta estão digitalizadas. Os jornais que não se adaptarem à era digital estão condenados, independentemente dos sistemas 'ludistas' que podem testar. Na realidade, a maior parte dos jornais europeus é subvencionada pelos governos e pelos partidos políticos ou é propriedade de empresas, mesmo que em perda, com o único propósito de manter a própria influência política atual".

E sobre a questão da sobrevivência do jornal impresso, Castells não tem dúvidas: "É uma questão de tempo. Quando a atual geração das pessoas com 60 anos acabar, não haverá nenhum jornal impresso sem subvenções. Mas a informação e o jornalismo prosperarão no mundo da comunicação virtual, que os editores deverão compartilhar com os blogueiros e com os outros habitantes da rede".

Leia na íntegra aqui. Como exemplo do que fala Castells, dê uma olhada em "O referendo islandês e os silêncios da mídia", de Mauro Santayana, aqui.

E mais: "O jornalismo dos anos 90", livro de Luis Nassif, é uma excelente introdução a uma leitura crítica da produção jornalística (para baixar em pdf, aqui)

um grito brasileiro

o dia internacional do direito à verdade

Foto via Carta Capital

De Egon Dionísio Heck, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do Mato Grosso do Sul, via Amai-vos (leia na íntegra aqui):

Numa audiência pública despretensiosa, presidida pela aguerrida deputada Luiza Erundina, o Brasil preencheu as condições para levar à aprovação do Congresso a instituição do "Dia Internacional do Direito à Verdade". O Dia 24 de março, em homenagem a Dom Romero das Américas, foi instituído pela ONU, em 2010, como a data comemorativa ao Direito à Verdade em todo o mundo.

Os participantes da audiência pública insistiram na importância simbólica dessa data, pois será um momento a mais para que o país busque fazer justiça, recuperando a memória perigosa das vítimas da secular resistência no país e no continente.

Em nome do Cimi expus algumas reflexões que passo a socializar:

Ontem aqui nesta casa, um Ato Público em apoio à causa indígena, promovido por esta mesma Comissão de Direitos Humanos, duas manifestações chamaram atenção. Uma delas foi quando a desembargadora, juíza Kanarik não conteve as lágrimas ao afirmar: "é inacreditável que em pleno século 21 tenham que afirmar: nós somos humanos, nós temos sentimentos como vocês". Só faltava algum papa ter que fazer uma bula afirmando que os índios têm alma. Abominemos de uma vez por todas essa mentalidade criminosa que ainda norteia muitas das elites, governantes e Estados nacionais. Como sociedade de verdade, façamos justiça declarando na prática nosso anátema a essas afirmações e posturas genocidas, racistas e fascistas. Desconstruir e descolonizar a memória significa uma decisão política com estratégias concretas neste sentido. Deixemos-nos inundar com os nobres sentimentos que vem da raiz deste continente, de seus povos originários, dos heróis da resistência.

Desconstruir a memória do invasor, do colonizador, do capital nacional e internacional, ontem e hoje, significa não apenas reconhecer a pluralidade de povos, culturas, crenças, organizações sociais e direitos consuetudinários em nosso país, mas requer a imediata devolução de seus territórios, e as condições para viverem em paz e com dignidade. Isso requer rever o panteão dos heróis, dentre os quais estão vários matadores de índios, ter a coragem de fazer fogueiras com livros que continuam veiculando mentiras sobre os povos indígenas em nossas salas de aula, veicular a verdade com relação à realidade, lutas e valores dos povos indígenas. Dizia ontem, nesta casa a indígena Pierangela Wapixana, de Roraima, "é difícil os não índios nos entenderem, enxergarem além das aparências, a nossa relação com a mãe terra e a natureza, nosso espírito, nossa alma, nossos sentimentos".

Infelizmente continuamos sob o manto da arbitrariedade que estimula a violência, promove a impunidade e sacraliza a injustiça. Precisamos urgentemente descolonizar não apenas a memória, mas como diz Fernando Ortiz, em recente entrevista: "A descolonização deve ser não apenas política (do poder) e econômica, se não também mental, cultura e ideológica".

Portanto, temos uma árdua e imprescindível tarefa de mudanças profundas, sistêmicas e mentais, para o qual a criação da comissão indígena da verdade e o dia internacional da verdade poderão contribuir.

Os Kaiowá-Guarani que ontem estiveram no Congresso, em Brasília, disseram com todas as letras "não aguentamos mais". O genocídio em curso, conforme a deputada Érica Kokai, nos desafia e impele não à repetição de discursos e falas bonitas, mas a ações concretas e inadiáveis. Certamente não queremos entrar para a história como cúmplices e exterminadores de povos. Esses povos nos repetiram milhares de vezes que tem que se começar pelo reconhecimento e garantia de seus territórios. Com isso esperam diminuir a absurda violência a que estão submetidos. E outro passo urgente é julgar e punir os assassinos das lideranças indígenas. "Mata-se índio, como se mata um cachorro", nos dizem as lideranças em suas falas. E nada se faz. Nenhum matador de índio no Mato Grosso do Sul foi julgado e punido. Ao contrário centenas de nossos parentes estão mofando nas cadeias da região. Centenas de processos que envolvem nossas terras estão paradas nos tribunais e não são julgadas para permitir a continuidade dos processos de regularização. Uma liderança observou que a "justiça é lenta”, para os índios, os negros, os pobres, mas funciona rapidamente para quem tem dinheiro.

(...) Apesar do mar de sofrimento, violência, injustiça e opressão em que está mergulhado o Continente e nosso país, a institucionalização do dia internacional de Direito à Verdade, soa como um leve ruflar das asas de um beija flor em meio a um temporal.

Porém, passos importantes estão sendo dados em países como Bolívia e Equador, que têm o Bem Viver inscritos em suas constituições e estão caminhando para o reconhecimento dos Direitos da Mãe Terra – Pachamama, os Kaiowá-Guarani estão construindo importantes estratégias comuns nos quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia), para mutuamente se apoiarem na luta por seus direitos, especialmente os territórios. O Conselho Continental da Nação Guarani é uma experiência esperançosa no contexto de luta e reconhecimento de direitos, para além das fronteiras dos países.

Na busca da Terra Sem Males somos todos caminhantes guiados e precedidos por nossos irmãos Kaiowá Guarani. Que o dia 24 de março se torne não apenas mais um dia comemorativo, mas que seja o dia de mudanças em nossas mentes, corações e estruturas na perspectiva da convivência respeitosa e digna de todos os povos.

- Egon Dionísio Heck (leia na íntegra aqui)

E mais: leia aqui o relato pungente de Pedro Gustavo Gomes Andrade, advogado membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG e membro dos Advogados Sem Fronteiras, de sua viagem às comunidades Guarani-Kaiowá.

o necessário resgate do sagrado


De Leonardo Boff, para o Jornal do Brasil, em 09-12-12 (via):

Uma dimensão sine qua non para inaugurar uma nova aliança para com a Terra reside no resgate da dimensão do sagrado. Sem o sagrado a afirmação da dignitas terrae e de seus direitos permanece uma retórica sem efeito. O sagrado constitui uma experiência fundadora. Ele subjaz às experiências que deram origem às religiões e às culturas humanas.

Os últimos séculos se caracterizam por uma sistemática intervenção nos ritmos da natureza a ponto de ficarmos surdos à musicalidade dos seres e cegos face à grandeur do céu estrelado. Com isso perdemos a experiência do sagrado do universo. Em seu lugar entrou a vigorar vasta profanidade, que reduziu o universo a uma realidade inerte, mecânica e matemática e a Terra a um simples armazém de recursos entregues à disponibilidade humana. Tirou-se a palavra de todas as coisas, para que só a palavra humana imperasse.

Se não conseguirmos resgatar o sagrado, dificilmente garantiremos o respeito à Terra e aos demais seres que possuem um valor intrínseco. A ecologia se transformará numa técnica de simples gerenciamento da voracidade humana mas jamais em sua superação. A pretendida nova aliança significará apenas uma trégua para que a Terra se refaça das chagas recebidas, para logo em seguida receber outras, porque o padrão das relações agressivas não mudou nem transformou nossa atitude básica de ausência de respeito e de sacralidade.

Antes de qualquer outra coisa, cumpre que nos reencantemos com o universo. Isso foi bem expresso pelo astronauta norte-americano Edgar D. Mitchell, em 1971, sobre a Apolo l4 a caminho da lua. Exclamava boquiaberto: "Daqui, a milhares de milhas de distância, a Terra mostra a incrível beleza de uma joia esplêndida de cor azul branca, flutuando no vasto céu escuro. Ela cabe na palma de minha mão. Nela está tudo o que é sagrado e amado por nós”.

Que é o sagrado? Não é uma coisa. É uma qualidade das coisas, que de forma envolvente nos toma totalmente, nos fascina, nos fala ao profundo de nosso ser e nos dá a experiência imediata de respeito, de temor e de veneração.

Rudolf Otto, um clássico estudioso do fenômeno em "O sagrado" (das Heilige), descreve em duas palavras-chave a experiência do sagrado: o tremendum e o fascinosum. O tremendum é aquilo que nos faz tremer por sua magnitude e pelo desbordamento de nossa capacidade de suportar a sua presença. Esta nos faz fugir devido a sua arrasadora intensidade. E ao mesmo tempo, é o fascinosum, vale dizer, aquilo que nos fascina, nos arrasta como um íman irreprimível porque nos concerne absolutamente. O sagrado é como o sol: sua luz nos arrebata e nos enche de entusiasmo (fascinosum). E ao mesmo tempo nos obriga a desviar o olhar porque pode nos cegar e queimar (tremendum).

É essa experiência ambivalente que os seres humanos originários fizeram e nós ainda podemos fazer em contato com o cosmos, com a Terra, com a vida. com as pessoas carismáticas, com a atração amorosa entre um homem e uma mulher. Sentiram comunicar-se nestas realidades uma força irrefragável, expressa classicamente pela palavra melanésia de mana ou pelo axé das religiões afro. Potencialmente, todas as coisas são portadores de mana ou de axé. São por excelência a revelação do sagrado, sua epifania e diafania.

Por debaixo de tudo opera, como nos dizem os modernos cosmólogos, a Energia fontal, o Abismo gerador de todas as coisas, o Spiritus Creator. O sagrado irrompe em nós quando internalizamos a visão contemporânea do universo em evolução e em cosmogênese. Não basta esta cosmovisão que pode ser encontrada no Google. Do que precisamos é de uma comoção e uma experiência de choque. Precisamos sentirmo-nos dentro destes conhecimentos sobre o cosmos, a Terra e a natureza, porque são conhecimentos sobre nós mesmos, sobre nossa ancestralidade e sobre a nossa realidade mais profunda. São tais comoções que modificam nossas vidas.

Como não se extasiar diante da imensidão de energia ejetada na singularidade do big bang, na formação do campo de Higgs, que permitiu conferir massa às partículas originárias, a constituição das nuvens de gases que originaram a primeira geração de estrelas que. depois de explodirem. deram origem às galáxias, às estrelas, aos planetas e a nós mesmos. É o fascinosum.

Que existe de mais tremendo e misterioso do que a massiva destruição da matéria inicial pela anti-matéria sobrando apenas uma bilionésima parte, da qual se origina todo o universo e nós mesmos? Aqui o tremendum se associa ao fascinosum. E poderíamos enumerar outras tantas experiências.

Todas elas nos colocam diante de uma realidade cuja melhor forma de abordá-la é pela teoria da complexidade pela qual os contrários se fazem complementares, aceitar que somos parte e parcela deste Todo. Só nos integramos e nos sentimos em casa quando nos associamos a essa sinfonia e disfonia, quando compreendemos que o bumbo convive com o violino, quando usamos nossa criatividade para agirmos com a natureza e nunca contra ela ou à revelia dela.

Esse sagrado assumido nos faz regressar de nosso exílio e despertar de nossa alienação. Ele nos reintroduz na Casa que havíamos abandonado. Somente uma relação pessoal com a Terra nos faz amá-la. E a quem amamos também não exploramos mas respeitamos e veneramos. Agora poderá começar uma nova era, não de trégua mas de paz perpétua (Kant) e de verdadeira re-ligação de tudo com tudo.

- Leonardo Boff

* * *




A expressão overview effect, cunhada por Frank White em 1987, refere-se à experiência de ver o planeta do alto pela primeira vez. 40 anos depois da famosa foto "Esfera Azul" ("Blue Marble"), a primeira tirada da Terra a partir do espaço, o Planetary Collective produziu um curta-metragem sobre o impacto transformador dessa experiência na vida e nos pontos de vista das pessoas que puderam ver a Terra de fora. (Via)

E mais: A Terra é azul! e A frágil Esfera Azul

Ou, para ver um bocadinho mais de perto, tem também este filme aqui. Mas, se preferir, você também pode olhar ainda mais de longe, aqui (via). Ótima programação para o fim de semana.


13 de dez. de 2012

os deputados e o projeto de "cura gay"


Deputados querem revogar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para permitir "terapias de reversão sexual". A prática clínica da "cura gay" tem sido criticada no mundo todo, por tratar a homossexualidade como doença (coisa que não é admitida nos meios acadêmicos, nem pela OMS) mas que mesmo assim ainda ocorrem, e em alguns casos, com graves denúncias de intervenções psicológicas visando à “reversão”, internação compulsória, agressão e até mesmo tortura. A população brasileira não precisa disso, não precisamos de práticas que incentivem a discriminação.

A resolução do CFP 01/99 visa alertar para os riscos e problemas das chamadas "terapias de reversão sexual"; na maioria das vezes, tais terapias são conduzidas e divulgadas por pessoas ligadas a grupos que não aceitam a homossexualidade, por vezes ligados a entidades religiosas, predominantemente influenciados por valores e crenças moralizadoras.

Não há nenhuma evidência científica – estudada pela Psicologia, Medicina ou por qualquer das disciplinas do campo da Saúde – que apoie a ideia defendida no projeto, portanto, qualquer tentativa de tratamento que vise à “cura da homossexualidade” estará embasada em pontos de vista unilaterais, enviesados e calcados na moralidade de quem defende a proposta, indo contra tudo o que tem sido defendido pelas principais entidades mundiais que estudam o tema: American Psychological Association (APA), American Psychiatric Association e a própria OMS.

(Do blog Um outro olhar - leia na íntegra aqui.)

Clique aqui para assinar a petição do Conselho Regional de Psicologia pelo respeito e tolerância à diversidade sexual.

E mais: Parecer integral de deputado-pastor favorável ao projeto de "cura gay", onde fica evidente que a argumentação favorável ao projeto parte do princípio de que a homossexualidade é, nas palavras do deputado, uma "desordem/transtorno sexual" - e esse é TODO o problema.

* * *

(...) Todos têm direito a expressar sua fé, como todos deveriam ter direito a ter sua orientação sexual respeitada. Mas se tratamentos como esses passarem a ser oferecidos legalmente, sugiro também reciprocidade com a religião. Vamos curar cristãos, muçulmanos, judeus e todos aqueles que, dentro das religiões adotam comportamentos fundamentalistas, acreditando que amor é desvio.

Ainda mais porque escolhemos a fé. Não a orientação sexual. E lutar pelos direitos LGBTT nunca matou ninguém. O mesmo não posso dizer do já citado fundamentalismo religioso…

(...) Uma sociedade que não tem vergonha de fazer isso é aquela que, de tempos em tempos, espanca e assassina gays e lésbicas. Que abriga seguidores de uma pretensa verdade divina que taxam o comportamento alheio de pecado e condenam os que julgam diferentes a uma vida de terrível aqui na Terra, tornando real – enfim – o que suas escrituras sagradas chamaram de inferno. Por que a culpa é da sociedade? Porque, de acordo com Constituição, a dignidade é um bem que deve ser garantido pela coletividade e tutelado pelo Estado.

E, se não bastasse isso, representantes políticos (que deveriam garantir que direitos fossem válidos a todos os cidadãos) agem não para fazer valer o Estado de Direito, mas sim incentivar a intolerância, empurrando a sociedade para o precipício.

O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro amigo em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de viado. De quem está fora do seu papel.

Gostaria que nos déssemos conta que já passou o momento de sairmos de nossa zona de conforto e começarmos a educar nossos filhos para viverem sem medo. E não para serem inimigos de quem não usa o pênis para dominar o mundo.

- Leonardo Sakamoto, em seu blog (leia na íntegra aqui)


* * *

Na Câmara, a Comissão de Seguridade Social e Família passou a tarde de terça-feira, 27, debatendo um projeto de lei, apresentado pelo deputado tucano João Campos, de Goiás. Ele quer suspender a resolução do Conselho Federal de Psicologia que, desde 1999, impede os psicólogos de tentar curar a homossexualidade. Alega que a resolução extrapola as competências daquela instituição e fere o direito constitucional dos terapeutas e dos pacientes.

Mas será que a verdadeira preocupação do deputado é a defesa da Constituição? Tudo indica que não. Eis alguns detalhes que vale a pena destacar para entender melhor o debate - no blog de Roldão Arruda no site do Estadão (aqui).

* * *

Gay conta ter gasto mais de R$ 60 mil para tentar ‘conversão’ à heterossexualidade

O americano Peteson Toscano conta ter gasto USS$ 30 mil (cerca de R$ 60.500), recorrido a três tentativas de exorcismo e passado por um casamento fracassado até conseguir superar seus dilemas pessoais e aceitar que era gay.

O processo durou 17 anos e Toscano hoje milita contra tratamentos que atendem por com nomes como ”conversão” ou ”terapia reparadora”, voltados para gays que querem mudar sua orientação sexual.

Tais práticas contam com o apoio de Igrejas fundamentalistas cristãs. E alguns dos que se submeteram a elas asseguram sua eficácia e se definem como ex-gays.

Mas Toscano, de 47 anos, afirma que não só estes processos não funcionam como também causam danos psicológicos. (...)

Leia na íntegra aqui

cpi dos incêndios em favelas termina com bate-boca político e sem investigação


(Foto: Alessandro Shinoda, Arquivo Folhapress - Via)


Em setembro publiquei aqui um post sobre a crise habitacional histórica nos grandes centros brasileiros. Esta semana a Rede Brasil Atual publicou duas matérias sobre o assunto: esta, sobre a suspeita de que os recorrentes incêndios em favelas em São Paulo seriam criminosos, relacionados à especulação imobiliária...

Bate-boca, acusações, ataques políticos, retomada de questões já saturadas e nenhuma conclusão. Foi assim que, depois de oito meses, teve fim hoje (12) a CPI dos Incêndios em Favelas de São Paulo, criada para investigar as causas dos pelo menos 600 incêndios registrados na cidade nos últimos quarto anos. A tendência da bancada governista é aceitar que as ocorrências não têm relação com a especulação imobiliária.

Hoje foi o dia de colher o depoimento da secretária-adjunta de Habitação, Elisabete França, que compareceu pela segunda vez à CPI. A primeira reunião marcada com a secretária acabou cancelada por falta de quórum, o que foi usual durante todo período de investigação: apenas seis sessões foram realizadas entre abril e dezembro, apesar das reuniões serem quinzenais. (...)

“Durante o período eleitoral houve muito comentário em redes sociais de que esses incêndios seriam criminosos. Militantes do PT e de outros partidos alegaram que eles estariam sendo provocados pela própria prefeitura, o que me parece uma barbaridade”, disse Pesaro. “Evidentemente que isso é um tipo de ação eleitoreira, mas imaginar que alguém pode pôr fogo em uma favela para retirar as pessoas para especulação imobiliária me parece algo estapafúrdio.”

“O tempo seco foi um dos principais motivos para justificar os incêndios em favelas, mas eles não ocorreram na região metropolitana, que teve o mesmo clima. Ficou só nas favelas de São Paulo. E todos são locais de especulação imobiliária, é só ver no mapa”, afirmou Juliana. “A gestão Serra/ Kassab ficou muito aquém na habitação. Em vez de fazerem programas para tirar as pessoas das suas casas para outra casa foi oferecido bolsa-aluguel de R$ 350. Hoje, no lugar mais longe, um pequeno cômodo talvez seja R$ 600 ou R$ 700.”

Durante a reunião, a secretaria-adjunta de Habitação, Elisabete França, afirmou que não há relação entre a especulação imobiliária e os incêndios em favelas, uma suspeita dos movimentos de moradia. “Eu não sou investigadora de polícia, mas descarto totalmente essa hipótese”, afirmou.

“Para dizer que tem relação seria preciso que uma favela queimasse e na sequência uma empresa começasse a construir no local, e isso não acontece”, disse Elisabete. A reportagem da RBA recordou a secretária, durante entrevista coletiva, que na favela do Moinho, no centro, surgiu um estacionamento ao lado logo após o segundo incêndio em menos de um ano, e uma favela da Vila Prudente, na zona leste, foi transformada em uma praça. “No Moinho é impossível. Se for analisar o que o plano diretor diz lá é uma área para lazer”, limitou-se a responder.

Ela afirmou que todas as famílias que perderam suas casas em incêndios são automaticamente cadastradas em programas de habitação. Porém, moradores de diferentes favelas que pegaram fogo afirmaram à RBA que não havia garantia de inscrição nesses programas, apenas de recebimento do aluguel social e por tempo determinado.

Fonte: Rede Brasil Atual (leia na íntegra aqui)

...e esta, no blog Desafios Urbanos, com uma crítica ao programa Minha Casa, Minha Vida:

"A maior crítica dos urbanistas ao programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal em 2009, é a de que as necessidades do setor de construção civil foram mais importantes na construção do modelo do projeto do que o modelo de cidade que ele criaria."

("Minha Casa, Minha Vida é política de crédito, não de cidade", por Thalita Pires, Rede Brasil Atual, aqui)

quem sabe faz a hora


120 mulheres se reúnem em Quixadá para discutir Comércio Solidário e alternativas de enfrentamento à seca

A seca, hoje, aflige trabalhadores(as) rurais de todo Ceará. Mas, para tentar encontrar alternativas produtivas e de enfrentamento da estiagem, cerca de 120 mulheres – moradoras de Quixadá, Pacatuba e Ocara, se reunirão na quinta-feira (13) e sexta-feira (14), em Quixadá, no III Encontro Territorial do Projeto A Força da Mulher (mais aqui). Durante esses dois dias, além de debater sobre "Economia Feminista e Solidária”, as participantes se reunirão com outras produtoras para a realização da III Feira Feminista e Solidária do Sertão Central. (...)

Toda a programação é pautada na importância da organização dessas e de outras mulheres para o enfrentamento dos problemas, maior impulso na geração de renda e fortalecimento da autonomia feminina. Em um ano no qual mais de 178 municípios cearenses decretaram situação de emergência por causa da seca, a atividade se propõe a discutir a convivência com o semiárido e o papel do Estado na construção de políticas públicas que fortaleçam também a agricultura familiar. (...)

A FORÇA DA MULHER é uma iniciativa que visa contribuir com o fortalecimento político e econômico de grupos de mulheres no Interior do Ceará, ao mesmo tempo em que favorece o desenvolvimento local sustentável, geração de renda e garantia de direitos sociais. O objetivo inicial é capacitar 900 mulheres – 300 em cada município – para uma atuação política qualificada e em práticas de geração de renda, baseadas em grupos comunitários e/ou empreendimentos coletivos solidários.

Dentre os resultados esperados estão: o aumento e reforço da participação de mulheres na economia local, com efetivação de empreendimentos coletivos e solidários, o fortalecimento e/ou criação de uma cooperativa em cada um dos municípios, contemplando a participação política feminina nas decisões e a constituição de grupos de mulheres com capacidade política e de articulação para reivindicar uma atuação efetiva nos espaços e formulação de políticas públicas sustentáveis nas localidades.

Mais informações e texto na íntegra: aqui

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Juventude negra realiza debate sobre o mapa da violência

O Fórum Estadual de Juventude Negra – Fejunes realiza nesta quinta-feira (13) um debate sobre o "Mapa da Violência: a cor dos homicídios no Brasil”. De acordo com o Estudo, o Espírito Santo é o segundo estado que mais mata negros no Brasil. Os números revelam que o assassinato da população negra cresceu 64% em oito anos no estado, sendo que a maioria é jovem.

Durante o debate o Fórum apresentará os números do Mapa da Violência e representantes das Gerências de Promoção da Igualdade Racial e Juventude do Governo do Estado terão a oportunidade de expor o que vem sendo feito para enfrentar o extermínio da juventude negra no Espírito Santo.

A coordenadora do FEJUNES, Neiri Marques, destaca a importância do debate. "Infelizmente, os números comprovam o que já denunciamos há mais de cinco anos. É urgente que o Governo envolva o movimento negro e os demais movimentos sociais na discussão sobre segurança pública. Esse debate ainda está restrito aos altos escalões do Governo”, destaca.

Luiz Inácio que representará o Fejunes na mesa de debate também comenta sobre o tema. "Não se pode ignorar a juventude negra na busca de solução para enfrentar o problema da violência no Espírito Santo. Somos as principais vítimas e temos muito para contribuir com a superação deste quadro. Culpar apenas o uso abusivo de drogas, o tráfico e a desestruturação familiar, por exemplo, sem apontar as falhas do Estado é um discurso dissimulado e covarde”, protesta.

Mais informações e texto na íntegra: aqui.

a economia nos versos do rei do baião


Às vésperas do centenário de nascimento do Rei do Baião, a realidade econômica de muitos locais imortalizados nas suas canções mudou para melhor. No interior do Nordeste, porém, a seca ainda é um cruel flagelo para a população Paulo Henrique Lobato (textos) e Alexandre Guzanshe (foto) Enviados especiais a Pernambuco, Bahia e Ceará

Nascido no Dia de Santa Luzia (13 de dezembro), Luizinho herdou do pai, Januário, a paixão pelo fole. A agilidade com que bulinava sanfonas de oito baixos, ainda na adolescência, animava os arrasta-pés em sua terra natal, Exu (PE), no sopé da Serra do Araripe. Já adulto, depois de servir ao Exército em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ouro Fino e noutros quartéis Brasil afora, o seu vozeirão, o vasto repertório e a facilidade com que tirava o som do instrumento musical — agora um fole de 120 baixos — conquistaram uma legião de fãs nos quatro cantos do país. Luizinho, então, passou a ser conhecido como Luiz Gonzaga (1912-1989), o rei do baião.

O ritmo musical criado pelo filho de Januário é um marco na cultura nacional. Suas músicas lideraram paradas de sucesso, tal qual o Xote das Meninas. Mas Gonzaga usou o acordeão apenas para divertir o público. Ele aproveitou o sucesso do baião para revelar, como nenhum outro artista da época, um Brasil até então desconhecido de boa parte da população. Em Asa Branca, seu maior sucesso, mostrou o drama da migração forçada pela seca.

Na canção Paulo Afonso, nome da hidrelétrica homônima à cidade baiana, ele ressaltou o desenvolvimento econômico por meio da chegada de energia elétrica em áreas carentes. Em Minas Gerais, o mesmo ocorreu, há 50 anos, com a construção da represa de Três Marias, transformando o então povoado de Barreiro Grande na atual cidade batizada em homenagem à hidrelétrica. Em A marcha da Petrobras, Gonzaga previu que o país seria uma potência mundial — hoje o Brasil é a sexta nação mais rica do planeta.

A lista de músicas que abordam temas econômicos, assim como foi o sucesso do sanfoneiro de Exu, é grande. É bom frisar que parte do norte de Minas pertenceu, há quase dois séculos, à província da Bahia, o que explica as semelhanças climáticas e socioeconômicas da região com o Nordeste.

Em muitas cidades, o progresso sonhado por Gonzaga não é mais utopia. Em Juazeiro do Norte (CE), os arranha-céus mudaram a paisagem local. Em Montes Claros (MG), o distrito industrial atrai grandes empresas. Por outro lado, mesmo com o país batendo recordes na geração de empregos, a seca e outros males cantados à exaustão pelo sanfoneiro ainda ditam o dia a dia de flagelados.

(Publicado no Correio Braziliense, em 09-12-12. Via)

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Depois do êxodo, volta à terra natal

Os movimentos da asa branca, pássaro pouco menor que um pombo, são acompanhados de perto pelo sertanejo, pois a chegada e a partida da ave de uma região significam o início e o fim do período chuvoso. No chamado Grande Norte de Minas e no Nordeste brasileiro, os versos (...) ainda fazem parte da realidade de muitas famílias, que deixam o semiárido em busca de emprego, principalmente, no Sudeste. Por outro lado, devido ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro, uma parcela grande de ex-refugiados da seca já faz o caminho de volta. Melhor: muitos que foram para o Sudeste e agora retornam para a terra natal usam suas economias para abrir o próprio negócio, fomentando a renda na região.

Essa boa nova, porém, ainda não chegou à casa de Ana Rodrigues, 47 anos, moradora de Mamonas, a 300 quilômetros de Montes Claros. Em busca de emprego, cinco de seus seis filhos se mandaram para São Paulo. Ela espera, ansiosa, pelo dia em que eles vão voltar em definitivo. "Saíram para o mundo para não passar fome", lamenta. Dois filhos de Jucineide Justino, 45 anos, também se foram. Trocaram Lagoa Grande, no sertão de Pernambuco, por Petrolina, onde o emprego é farto graças à lavoura irrigada pelas águas do São Francisco. "Sei que um dia o mesmo deve acontecer com meus três filhos menores."

De 1960 a 1980, mais de 1,3 milhão de nordestinos deixaram a terra natal. Para eles, como para os filhos de dona Ana, a meca era São Paulo. Hoje, embora muitas famílias do Norte de Minas e do Nordeste ainda partam em busca de um futuro melhor, a migração é menor do que a da época em que o rei do baião gravou Asa Branca. Isso se deve a vários fatores, como investimentos privados e públicos e a expansão de programas sociais, entre eles o Bolsa Família. O professor Alisson Flávio Barbieri, do Departamento de Demografia da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, avalia que a redução das desigualdades sociais e econômicas ante o Sudeste e o Sul brasileiros abriu caminho para o crescimento da economia e a migração de retorno.

A redução da desigualdade foi fundamental para que Jailson Sales, 46 anos, fizesse o caminho de volta para casa, em Exu (PE), quase 30 anos depois de ter partido para São Paulo, onde trabalhou em várias funções na indústria. "Em 2010, percebi que o Nordeste havia crescido, que as pessoas passaram a ter renda maior. Decidi voltar". Ele veio na companhia de um amigo, Luiz Antônio Rodrigues, 61 anos, que trocou Guarulhos (SP) pela terra de Gonzaga. Montaram uma fábrica de confecções com 20 funcionários.

(Publicado no Correio Braziliense, em 09-12-12. Via)

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Verba não chega a áreas que sofrem com a seca

A maioria das cidades brasileiras que tiveram situação de emergência em razão da seca reconhecida pela União não receberam recursos do governo federal em 2012. Fatores como excesso de burocracia, falta de verba e negligência de prefeitos contribuíram para deixar 1.390 dos 2.058 municípios (68%) sem a ajuda neste ano. Os dados, do Ministério da Integração Nacional, foram repassados à Folha pela Lei de Acesso à Informação.

Há casos de emergência por estiagem e seca em todas as regiões do Brasil. Seca, como define a Defesa Civil, é uma estiagem prolongada. No Sul, 69% dos municípios não receberam recursos.

O Nordeste é a região com mais municípios afetados e não socorridos. Dos 1.272 em situação de emergência, apenas 459 (36%) receberam verba federal. Algumas localidades enfrentam a pior seca dos últimos 30 anos.

A Integração Nacional diz que nem todos os municípios que tiveram a situação de emergência reconhecida solicitaram recursos. (...)

Também há administrações municipais que pediram ajuda, mas nada chegou. "Não vimos a cor [do dinheiro] até o momento. Estamos sendo assistidos só por carros-pipa e por uma ação tímida de construção de cisternas", afirmou o prefeito de São Caetano (PE), Jadiel Cordeiro (PTB). O prefeito é diretor da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) e membro do Comitê Estadual de Combate à Estiagem.

Segundo ele, os municípios pernambucanos receberam apenas programas assistenciais como o Bolsa Estiagem, que destina R$ 400 a famílias afetadas pela seca. Para Cordeiro, falta "sensibilidade" ao governo federal. "Quem está com fome e sede não pode esperar." Segundo números da Integração Nacional, 179 dos 185 municípios pernambucanos estão em situação de emergência, e apenas dois receberam repasses de recursos.

Em Poço Redondo (SE), a prefeitura diz que não chove há dois anos e os reservatórios secaram há oito meses.

O pluviômetro na sede do município acumula água desde janeiro e marca menos de 50 milímetros. O secretário municipal de Agricultura, José Silva de Jesus, estima que 3.500 cabeças de gado tenham morrido em dois anos. Jesus diz ter solicitado R$ 6,3 milhões ao governo federal para ações emergenciais, construção de barragens e aquisição de máquinas, mas, até agora, apenas caminhões-pipa e programas sociais chegaram. "Mandamos toda a documentação. Tentamos desde o início do ano."

Para os que solicitaram e não foram atendidos, o ministério cita "falta de disponibilidade orçamentária" e não cumprimento de prazos previstos em lei. (...)

Até março, o agricultor Antonio Gomes Souza, 54, mantinha 17 animais em sua propriedade em Águas Belas, agreste pernambucano. Cinco morreram e o restante foi vendido porque ele não tinha condições de criar. "Tem uns mais teimosos que ainda tentam criar, mas a beira da estrada parece um cemitério de reses mortas", diz o agricultor.

Sem produzir, vive do que juntou com a venda dos animais. Faz bico no sindicato rural para juntar R$ 75 por semana. A mulher, professora, ganha R$ 1.000. Com o dinheiro o casal se mantém e ainda sustenta um filho e a nora. "Está insuportável. Vai começar a morrer gente de sede porque as fontes estão secando todas. De fome ninguém morre porque tem o Bolsa Família."

(Via)

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A seca

Por Euclides da Cunha (na íntegra aqui):

De repente, uma variante trágica.

Aproxima-se a seca.

O sertanejo adivinha-a e prefixa-a graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo.

Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará. (...)

Os sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série, sucedendo-se inflexíveis, como sinais comemorativos de uma moléstia cíclica, da sezão assombradora da Terra. Passam as "chuvas do caju" em outubro, rápidas, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem traços; e pintam as caatingas, aqui, ali, por toda a parte, mosqueadas de tufos pardos de árvores marcescentes, cada vez mais numerosos e maiores, lembrando cinzeiros de uma combustão abafada, sem chamas; e greta-se o chão; e abaixa-se vagarosamente o nível das cacimbas... Do mesmo passo nota que os dias, estuando logo ao alvorecer, transcorrem abrasantes, à medida que as noites se vão tornando cada vez mais frias. A atmosfera absorve-lhe, com avidez de esponja, o suor na fronte, enquanto a armadura de couro, sem mais a flexibilidade primitiva, se lhe endurece aos ombros, esturrada, rígida, feito uma couraça de bronze. E ao descer das tardes, dia a dia menores e sem crepúsculos, considera, entristecido, nos ares, em bandos, as primeiras aves emigrantes, transvoando a outros climas...

É o prelúdio da sua desgraça.

Vê-o acentuar-se, num crescendo, até dezembro.

Precautela-se: revista, apreensivo, as malhadas. Percorre os logradouros longos. Procura entre as chapadas que se esterilizam várzeas mais benignas para onde tange os rebanhos. E espera, resignado, o dia 13 daquele mês. Porque em tal data, usança avoenga lhe faculta sondar o futuro, interrogando a Providência.

É a experiência tradicional de Santa Luzia. No dia 12 ao anoitecer expõe ao relento, em linha, seis pedrinhas de sal, que representam, em ordem sucessiva da esquerda para a direita, os seis meses vindouros, de janeiro a junho. Ao alvorecer de 13 observa-as: se estão intactas, pressagiam a seca; se a primeira apenas se deliu, transmudada em aljôfar límpido, é certa a chuva em janeiro; se a segunda, em fevereiro; se a maioria ou todas, é inevitável o inverno benfazejo.*

Esta experiência é belíssima. Em que pese ao estigma supersticioso tem base positiva, e é aceitável desde que se considere que dela se colhe a maior ou menor dosagem de vapor d’água nos ares, e, dedutivamente, maiores ou menores probabilidades de depressões barométricas, capazes de atrair o afluxo das chuvas.

Entretanto, embora tradicional, esta prova deixa ainda vacilante o sertanejo. Nem sempre desanima, ante os seus piores vaticínios. Aguarda, paciente, o equinócio da primavera, para definitiva consulta aos elementos. Atravessa três longos meses de expectativa ansiosa e no dia de S. José, 19 de março, procura novo augúrio, o último.

Aquele dia é para ele o índice dos meses subseqüentes. Retrata-lhe, abreviadas em doze horas, todas as alternativas climáticas vindouras. Se durante ele chove, será chuvoso o inverno; se, ao contrário, o Sol atravessa abrasadoramente o firmamento claro, estão por terra todas as suas esperanças.

A seca é inevitável.

- Euclides da Cunha (na íntegra aqui)

* "Conta-se que no Ceará fizeram esta experiência diante do naturalista George Gardner; mas o sábio fazendo observações meteorológicas, e chegando a um resultado diferente do atestado pela santa, exclamou em seu português atravessado: Non! non! Luzia mentiu..." (Sílvio Romero, A poesia popular no Brasil.)

a boa mentira

André Dahmer

O melhor conselho que recebi quando estava grávida já não lembro quem deu, mas tenho repetido como um mantra nos últimos 14 anos. Alguma mãe mais sábia e experiente me disse apenas isso: “Confia no teu instinto”.

Seguir os próprios instintos obviamente não garante que se vá acertar sempre, mas assinala a importância de conceder aos pais a liberdade para criar seus filhos como lhes parece mais adequado e não conforme a cartilha que tias, vizinhas e amigas bem-intencionadas tão graciosamente ditam a partir do momento em que alguém anuncia que está grávida.

Uma das situações em que segui meu instinto – mais ou menos contra a corrente dominante – diz respeito a esta época do ano: nunca consegui mentir a respeito do Papai Noel. Pronto, falei.

Especialistas em psicologia infantil garantem que por volta dos oito anos, quando a maioria já percebeu que aquele Papai Noel magricelo que distribui presentes todos os anos é, na verdade, o tio Oscar metido em um traje ridiculamente inapropriado para o calorão de dezembro, as crianças já são capazes de distinguir dois tipos de mentiras contadas pelos adultos.

A “má mentira” é aquela que os pais contam para fugir de uma responsabilidade (“Não vamos ao Marina Park hoje, meu bem, porque eles fecham no dia de São Benedito”) ou de uma culpa (“Não fui na festinha na sua escola porque pegou fogo no escritório.”) A “boa mentira” é a que os pais inventam não para livrar a própria barra, mas para alimentar a imaginação dos pequenos – como no caso das histórias de Natal. A boa mentira ensina a fantasiar, a má mentira ensina a mentir.

OK, bacana, os especialistas apenas confirmaram o que todo mundo já sabia: ninguém precisa sentir-se culpado por inventar histórias sobre renas, trenós e duendes. Mas, quando minha filha me olhou com aquela confiança absoluta que apenas as crianças pequenas têm nos pais e me perguntou como, afinal, era possível que o Papai Noel soubesse, lá no Polo Norte, se ela se comportava bem aqui em Porto Alegre, não consegui recitar o texto recomendado pelo senso comum ou pelas propagandas de refrigerante.

Ali, diante de mim, estava uma nova navegante esforçando-se para entender como as coisas funcionam neste mundo estranho em que acabara de chegar. Uma aprendiz de cientista, testando hipóteses e pedindo apoio dos mais velhos para prosseguir decifrando outros, maiores, mistérios. Era justo reconhecer o seu esforço: “Não, não existem câmeras escondidas pela casa, e a única pessoa que sabe o que se passa na sua cabeça é você”.

Uma das graças da “boa mentira” é saber que ela nunca dura para sempre. É um jogo de esconde-esconde em que as crianças sempre ganham. Alguns pais curtem prolongar a brincadeira – e eles obviamente não estão errados. Outros preferem saborear a satisfação de ver uma criança perceber que há graça e encantamento não apenas no que se inventa, mas também no que se descobre através das magníficas e inesgotáveis estratégias da razão.

- Claudia Laitano, para o Zero Hora, 08-12-12 (via)


12 de dez. de 2012

o que aconteceu no seu mundo em 2012?


...e saiu a coletânea de imagens marcantes de 2012 feita pelo Google, dando a partida no momento "balanço de fim de ano". Este ano, temos uma mãozinha do Facebook, que liberou o novo recurso de "retrospectiva" - uma ajuda, mas não um substituto para o rico exercício de rememorar, rever, percorrer de novo as imagens, experiências, acontecimentos, sensações, encontros e escolhas que deixaram suas marcas em nós neste ano que está terminando. E tentar derivar daí sentidos, significados, entendimentos, e fazer um balanço da bagagem que carregamos e com o que vamos querer entrar em 2013 e o que vamos preferir deixar para trás.

E para você: o que ainda está sendo gestado? O que já atingiu "a plenitude dos tempos"? E para o que o tempo já passou?

choro de diplomata cala cúpula do clima


Com a voz embargada, os olhos cheios de lágrimas e um discurso sem os eufemismos comuns nas negociações diplomáticas, o chefe da delegação das Filipinas deixou ontem [dia 06-12] a cúpula mundial do clima em silêncio.

"Por favor, chega de desculpas e atrasos. Abram os olhos para a dura realidade que nós enfrentamos. Se não for agora, quando será?", apelou Naderev "Yeb" Saño na última plenária de discussões sobre a extensão do Protocolo de Kyoto na COP-18, em Doha, no Qatar.

A atitude do até então discreto diplomata filipino gerou, além de lágrimas pelos corredores, muitas palmas por onde ele passou. Mas é difícil dizer se a bronca de Saño, cujo país acaba de ser atingido por um grande tufão que deixou mais de 500 mortos e centenas de desabrigados, será suficiente para promover alguma mudança de rumo na conferência.

Faltando 24 horas para o encerramento do encontro, os pontos mais polêmicos da discussão foram, como de costume, empurrados para o último dia de negociação.

A questão do financiamento tem travado a agenda. Todos parecem concordar que o aquecimento global é uma questão urgente e perigosa, mas poucos são os países dispostos a pagar a conta.

Leia na íntegra aqui.

(E mais: Conferência do clima termina melancólica)


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Glub-glub-glub

Gelo, o mais abundante minério da superfície da Terra, talvez desapareça das paisagens antes do fim do século. Mas o degelo terá influência secundária na catastrófica elevação do nível dos mares prevista para o mesmo período (28 a 86 centímetros, variações locais dependentes de balouços das respectivas placas tectônicas).

Gelo e neve mal totalizam 3% da água mundial. E fusão de gelo flutuante acrescenta pouco ao nível do mar, apenas o correspondente à diferença de densidade entre água doce de icebergs e água salgada do mar. Segundo estudo publicado em novembro, o degelo representou apenas um quinto da elevação do nível dos mares nas últimas décadas. Fator principal foi a expansão térmica da hidrosfera. (...)

Você pode observar esse efeito-esponja no cotidiano. No calor diurno, o ar absorve vapor. Quando a noite a resfria, a esponja encolhe, espreme vapor e o deposita como orvalho. (Vapor d'água é invisível; o que você vê sair pelo bico da chaleira é um jato de gotículas.)

Estendendo o princípio: evaporação alimenta precipitação. Em média, água evaporada na atmosfera retorna ao chão em nove dias. Daí deslizamentos de encostas e alagamentos virem ganhando volume e frequência no mundo todo. (Embora a interação complexa de forças do desarranjo provoque também secas localizadas.)

Inchaços do mar e do ar condicionaram os estragos que a tempestade tropical Sandy impôs a Nova York e Nova Jersey em outubro. A maré daqueles dias intensificou, sim, a intrusão do mar. (Maré é uma onda que forças gravitacionais da Lua e do Sol arrastam pelos oceanos ao redor de toda a Terra.) Sandy chegou à costa americana surfando a crista duma preamar de lua cheia. (...)

Pondere um exemplo. O Estudo de Impacto Ambiental da usina nuclear Angra 3 dizia em maio de 2005 que não ocorrem furacões na costa leste do Atlântico Sul. Mas já em 27 de março de 2004 um furacão de categoria 1 havia aterrado em Santa Catarina. O estudo desconsiderava também projeções de probabilidade quanto a aguaceiros e escorregamentos de encostas um tanto próximas. Como, por exemplo, a precipitação de 142 milímetros em 24 horas que matou 52 habitantes de Angra dos Reis nos deslizamentos de 31 de dezembro de 2009.

Leia na íntegra aqui.

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Quatro motivos para se ter esperança no controle das mudanças climáticas

No estado atual das coisas, o mundo claramente não está nos trilhos para conter o aumento da temperatura global da mudança climática abaixo de dois graus centígrados, que é considerado como sendo o limiar de perigo do aquecimento global.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) disse na semana passada que, na melhor das hipóteses, os compromissos atuais nos levariam a apenas metade do caminho de uma trajetória climática segura; e um relatório do Banco Mundial publicado na mesma semana mostrou alguns dos riscos de um mundo 4ºC mais quente. Qualquer pessoa envolvida seriamente com a ciência tem razão em se preocupar.

Mas eu identificaria quatro motivos para manter a esperança. Primeiro, se agirmos, ainda podemos evitar os piores impactos da mudança climática. Tanto o relatório do Pnuma quanto um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), publicado uma semana antes, dizem que o tempo está se esgotando, mas que 2ºC ainda estão ao alcance se conseguirmos reunir a vontade política.

Segundo, o processo internacional pode ser lento, mas está apresentando resultados. Desde a conferência de Copenhague em 2009, os países responsáveis por 80% das emissões globais fizeram promessas de ação abrangendo toda a economia. Nós concordamos em Durban no ano passado em trabalhar pelo prazo de 2015 para negociação de um novo acordo global legalmente vinculante, e eu acredito ser razoável buscar um progresso passo a passo na direção desse acordo, começando em Doha. (...)

Terceiro, nós estamos vendo uma ação séria por parte de muitos países, incluindo alguns dos maiores emissores. A Globe International relatou que as leis estão avançando em todas as maiores economias. O Brasil reduziu o desmatamento em cerca de dois terços desde o pico em 2004. A Coreia está gastando 2% de seu PIB em uma economia de baixo carbono. A China inseriu a eficiência em energia e metas renováveis em seu mais recente plano de cinco anos e está testando os mercados de carbono em sete de suas províncias. (...)

Quarto, essa mudança é escorada por mudanças importantes na economia real. Segundo a Bloomberg, o investimento em energias renováveis superou o investimento em combustíveis fósseis pela primeira vez no ano passado. Nós estamos vendo a entrada de novas tecnologias de energia renovável no mercado, competindo com sucesso. Sistemas solares fotovoltaicos apresentaram em média um crescimento anual global de 42% ao longo da última década; a energia eólica apresentou uma média de 27%.

Leia na íntegra aqui.

conflito institucional

Escultura: Alfredo Ceschiatti (via)

Do jornal Valor Econômico, via blog do Luis Nassif (aqui):

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decretar hoje a cassação dos mandatos de três deputados condenados no processo do mensalão. A decisão deve levar a um impasse entre Judiciário e Legislativo e, no limite, a uma crise institucional se o Supremo determinar a imediata prisão dos parlamentares, antes do trânsito em julgado das sentenças, o que só é esperado para meados de 2013.

Entenda o começo da crise aqui: A crise institucional e o caso da 'venda de voto' parlamentar

Ontem, os líderes partidários prestaram solidariedade ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), para quem a decretação da perda de mandato de parlamentar é prerrogativa exclusiva do Congresso. Entre eles o vice-líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). O líder do partido, Henrique Eduardo Alves, estava em uma reunião partidária. Alves é o mais provável futuro presidente da Câmara e a tendência do deputado é procurar uma saída política para o conflito.

Marco Maia já declarou que não pretende acatar a decisão do Supremo, sobretudo porque a comunicação do tribunal deve ser impositiva: determinar à Mesa Diretora que declare a perda do mandato dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).

O mais provável é que Maia engavete o pedido, criando-se assim o impasse. O caso pode se transformar numa crise entre os poderes, de fato, se o Supremo ou algum ministro, no recesso, decrete a prisão dos deputados. Esse é um fato considerado pouco provável, porque a prisão, em tese, deveria ocorrer apenas após o trânsito em julgado das sentenças. Mas o histórico do julgamento do mensalão mostra que os ministros, em geral, têm recorrido a soluções heterodoxas.

Os ânimos estão exaltados. À exceção do PPS, todos os partidos manifestaram apoio a Maia. "Não há intenção de confronto com o STF, mas a obrigação de defender a Constituição é de todos e houve uma manifestação praticamente unânime nesse sentido", anunciou o líder do governo na Casa, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).

"A prerrogativa da cassação cabe à Câmara, acompanhando raciocínio de metade dos ministros do STF que assim também entenderam", disse o líder do PT, Lincoln Portela (MG). No Congresso avalia-se que o placar de cinco a quatro tira força política da decisão do Supremo.

Até mesmo os principais partidos da oposição defenderam essa posição. "Defendo o respeito ao princípio constitucional. Há uma Constituição escrita em pleno vigor que, enquanto não for revista, cabe à Câmara cassar mandatos", afirmou o vice-líder do DEM, Pauderney Avelino (AM). Já o líder do PSDB, Bruno Araújo (PE), declarou que seu partido tem por princípio acreditar que sempre a última palavra é do STF, mas acha que, nesse caso, "o Congresso deveria ir ao encontro do STF e apresentar suas razões dentro do momento certo. Não pode se envolver no julgamento do mensalão". O PSOL também defendeu a posição de Maia, mas apresentou uma condicionante: aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que estabeleça o voto aberto nas votações de cassação.

O ministro Marco Aurélio Mello qualificou como incompreensível a posição de Maia: "Por não se estar numa época de exceção é que é incompreensível essa reação", disse. " O dia em que uma decisão da Suprema Corte não for observada, nós estaremos muito mal."

Marco Aurélio advertiu que o STF pode tomar uma atitude caso a decisão da Corte não seja respeitada. "Para toda a doença há um remédio", disse o ministro, sem explicitar qual medida seria adotada pelo tribunal, caso a Câmara não cumpra a decisão. "Eu só verifico que o prestígio dos deputados envolvidos é muito grande", ironizou Marco Aurélio.

Já o revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, considerou precária a decisão que deve ser tomada hoje pela Corte. "Ao que tudo indica, a decisão será no sentido de suprimir uma prerrogativa do Congresso", disse Lewandowski sobre a possibilidade de o STF cassar os mandatos dos três deputados. "A decisão será tomada por maioria relativa e provisória", continuou o revisor, referindo-se ao placar dividido na Corte. Segundo ele, essa divisão de votos pode favorecer eventuais recursos dos réus. Lewandowski lembrou que novos ministros vão julgar esses recursos. Um deles é Teori Zavascki, que assumiu o cargo há duas semanas, e tem artigo acadêmico no qual defendeu a tese de que a condenação penal suspende os direitos políticos, mas não o mandato do réu. O outro ministro será indicado pela presidente Dilma Rousseff em substituição a Carlos Ayres Britto, que se aposentou em 18 de novembro. "A decisão é relativa e precária e poderá ser revista pelos novos ministros do STF", insistiu Lewandowski.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que o STF tem mais do que maioria nesse caso. "Aqui, nós temos mais do que uma maioria eventual. Nós temos uma instituição que está decidindo. As pessoas têm que respeitar a dimensão institucional da decisão", disse Mendes, referindo-se à determinação do STF.

A expectativa na cúpula do Congresso é que o Supremo decida hoje e consuma o tempo até o recesso do Judiciário com a publicação do acórdão e a abertura dos prazos para os recursos cabíveis nessa fase. Na volta do recesso do Supremo, em fevereiro, os ministros já encontrariam na presidência da Câmara o deputado Henrique Alves, partidário da saída negociada. Mas o PMDB teme por uma ação que exalte ainda mais os ânimos, como uma ação monocrática de prender os deputados, tomada durante o recesso parlamentar.

E mais: Em 95, Mello defendeu que só o Congresso cassava, e Jornalistas e STF constroem versão bizarra de direito alternativo no Brasil (via Lair Amaro)

Em tempo: alegando uma forte gripe, Celso de Mello, que daria hoje o voto de desempate na decisão sobre a perda dos mandatos, precisou faltar e a sessão de hoje do julgamento do 'mensalão' foi cancelada. Saiba mais aqui.

Atualização em 13-12-12:
Vale ler e refletir sobre o editorial de hoje do jornal Zero Hora intitulado "Rejeição ao corporativismo":

"Mesmo entre quem reconhece o direito constitucional da Câmara Federal de decidir sobre a cassação dos deputados condenados no processo do mensalão, amplia-se o temor de que o histórico posicionamento corporativista dos parlamentares acabe prevalecendo mais uma vez, reforçando a impunidade.  (...) Percebe-se uma rejeição popular significativa ao compadrio político e partidário da maioria dos parlamentares. A consequência natural é que a sociedade, embora reconhecendo a prerrogativa dos deputados, não acredita na capacidade de punição a colegas, mesmo nos casos de confronto comprovado com a ética."

Leia na íntegra aqui.

a day in life

ouvir além das palavras


“O fenômeno da comunicação depende não do que é transmitido,
mas do que acontece com a pessoa que recebe a mensagem.”
Humberto Maturana

(...) As pessoas se comunicam em vários níveis. Tudo fala. As roupas, os olhares, a respiração, um jeito específico de se curvar ou se levantar, a forma como batemos as mãos ou os pés. Cada pequeno detalhe tem voz, toca uma música.

Assim como é preciso treinar os ouvidos para discernir timbres, tons e efeitos em uma música, também precisamos treinar para realmente ouvir, comunicar e gerar conexão.

Quem já teve a oportunidade de assistir uma orquestra tocando ao ar livre pode relatar como o ambiente inteiro se relaciona com o que está sendo tocado. Não é algo metafísico, nem fantasioso. O vento sopra de uma forma diferente, todos se olham, sorriem silenciosamente, as árvores balançam, os pássaros enlouquecem.

Quando uma pessoa fala, algo similar acontece. Há uma variedade de outras ações sendo executadas ao redor e isso pode facilitar ou dificultar o processo. Às vezes, ela pode estar querendo desabafar, mas o ambiente não é favorável. Algum ruído pode surgir ou pode ser que haja pessoas ao redor em outra sintonia. Um sujeito atento pode tomar uma ação simples como trocar de lugar, alterando os níveis de abertura e conforto.

Enquanto ouve, é importante não só estar atento aos sinais abstratos mas observar as reações físicas do outro. Será que está se distraindo? Está se mexendo demais, está desconfortável, tentando encerrar o assunto, está indiferente?

(...) Entrar no mundo do outro é sair de seus próprios preconceitos e limites pré-estabelecidos. Da mesma forma como fazemos ao visitar outros países. Não adianta chegar querendo feijoada, você acaba sendo obrigado a comer o que tem.

Ouvir é cocriar, fazer sentido, agir, enriquecer. Não apenas a habilidade de decodificar sons, mas também de dar importância, atenção, de se relacionar com o interlocutor.

De nada adianta entrar no mundo do outro e não se relacionar com ele de uma maneira positiva. É útil estimular a conversa, perguntar, valorizar trazendo outras referências, outras visões, ajudar o outro a se expressar, retomar o foco, ir construtivamente contra – e, acima de tudo, se envolver de coração.

(...) Repousar, observar a própria mente, entrar e enriquecer o mundo do outro, relacionar-se com a situação por completo. São todas atitudes que conduzem a ações cortantes, diretas.

Um homem capaz de ouvir é alguém que vive em um universo vasto, repleto de riquezas ainda não descobertas.

Eu mesmo queria encontrar mais pessoas assim. Capazes de atravessar minhas bobagens e me dizer o que preciso, não o que quero ouvir.

E vocês, estão realmente ouvindo? Estão sendo ouvidos?

- Luciano Ribeiro, para o Papo de Homem - leia na íntegra aqui

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