25 de set. de 2012

a crise do futuro


Gilles Lipovetsky, estrela da análise cultural, que detalhou com enorme precisão o esgotamento, o colapso dos velhos significados que fundaram a modernidade, como as ideias de progresso e vanguarda, bem como a fé na ciência e na democracia, esteve no México para falar sobre a importância da educação num momento de crise e foi entrevistado por Daniel Barrón, publicada no sítio Sinembargo, 01-09-2012. A tradução é do Cepat (via).

O que você considera que são as causas da crise, não apenas econômica, mas também cultural do mundo?

É uma pergunta muito ampla, porque as causas não são da mesma natureza. Neste momento, a crise econômica que a Europa atravessa é uma crise muito complexa, que tem a ver com um modelo que hipertrofiou o consumismo, colocando em crise o sistema financeiro. Isto prolongou uma série de crises cíclicas do capitalismo, que não pode ser concebido sem crises recorrentes. No entanto, vivemos num ambiente de crise muito mais amplo. A mais evidente é a crise ecológica, que apresenta problemas para o futuro de uma sociedade centrada no presente. O capitalismo financeiro se concentra em resultados a curto prazo, e o consumo tem uma lógica de eterno presente. O problema é que isso tem um impacto sobre o equilíbrio do planeta, e sabemos que as coisas não podem continuar deste modo por tempo indefinido.

Por outro lado, paralelamente à crise econômica do presente, há uma crise do futuro, uma crise cultural que tem a ver com o desmoronamento das estruturas antigas das sociedades tradicionais. Não é um assunto novo, desde que Nietzsche anunciou a morte de Deus, estamos constatando que as sociedades modernas estão embarcadas num ambiente sem garantias, onde não é concebível acessar a verdade das coisas, manter uma certeza. São sociedades que já não possuem fundamento teológico e que a partir deste fendimento das certezas, faz com que os indivíduos já não tenham perspectivas de futuro. Porém, desde Nietzsche muitas coisas aconteceram, e essa desorientação da qual falava, agora, cobre aspectos cotidianos da vida. A atual crise cultural não está relacionada apenas com a ausência de Deus, mas com uma sociedade cuja informação e valores estão em permanente colisão, e que resultam numa desorientação geral dos indivíduos que vivem neste contexto.

Por exemplo, o caso da alimentação, isso não tem nada haver com o problema nietzschiano da morte de Deus. O problema é que as pessoas não têm referências para saber o que devem comer e como devem comer, porque vivem em uma sociedade que por um lado prega o prazer de comer, o hedonismo pela boa comida, e por outro lado nos impõe estar magros, ter uma boa aparência e fazer dieta. (...)

A desorientação na realidade, a crise cultural, se assim quer vê-la, é que já não admite uma área livre, não tem limites, engloba tudo. Veja a política, existe uma grande instabilidade entre a oposição clássica de Direita e Esquerda, e um dos grandes desafios do futuro é que os cidadãos já não depositam confiança nos partidos políticos. Por outro lado, a ciência e a tecnologia ao resolverem problemas, criam alguns novos.

Embora a ansiedade e a desorientação sempre tenham existido, na modernidade havia uma série de referências e uma ideia de mundo que traziam certezas, em que se acreditava na democracia, na ciência, no socialismo, e pensava-se que todos esses valores nos dariam um sentido de progresso. O problema é que agora já não acreditamos nessas coisas. Em qual progresso pensar à luz do aquecimento global, e sem saber se poderemos habitar um ou outro ponto do planeta? (...) Estamos diante de uma situação em que as grandes esperanças, que abriram a porta à modernidade, perderam seu prestígio, sua consistência. Vivemos em sociedades que não param de se interrogar, de questionar a si mesmas; e que carecem de alternativa radical, isso é o que eu tenho chamado de hipermodernidade.

(...) A educação ainda pode ter algum papel no contexto da hipermodernidade?

Neste contexto, o campo da educação tem uma importância crucial. A sociedade moderna era uma sociedade que economicamente mantinha uma produção de mercadorias extremamente repetitiva. Era o método de produção fordista, que vemos em “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin, em que o operário repete os mesmos gestos ao longo de toda uma jornada de trabalho. Nessa sociedade, a educação tem um valor importante, mas como mero valor humanista, não como força produtiva. Para repetir um mesmo gesto, todo o dia, em uma linha de produção, não é necessário uma formação muito elevada.

No entanto, no contexto da hipermodernidade, as coisas mudam, passamos de sociedades de produção para sociedade de inovação. Precisamos criar, sem cessar, coisas novas e nos adaptar a uma sociedade globalizada, onde já não é viável repetir uma e outra vez o mesmo objeto. Nesse contexto, é importante investir de forma pontual na pesquisa e no desenvolvimento, para poder criar produtos novos e competitivos no mercado, e não se limitar a vender mais caro, como no antigo sistema em que o importante era reduzir os custos de produção e vender caro. Agora é necessário criar novidades. E por isso necessitamos de indivíduos motivados, que sejam capazes de se adaptar a esse contexto de perpétuo movimento. Daí a necessidade de um investimento coletivo e considerável no campo da formação.

A formação não é um gasto, é um investimento no futuro. Não haverá sociedades competitivas e suscetíveis de dar oportunidade às seguintes gerações, se não houver um investimento na educação. E penso que, provavelmente, não estamos a não ser no começo destes problemas, porque com a globalização cada vez mais são as economias que entrarão na arena de competência.

(...) Que ferramentas o indivíduo possui para se defender ou pelo menos se guiar diante da crise social, cultural e econômica que descreve?

Penso que quando se está comprometido na vida com certo número de projetos que são emocionalmente significativos, não se perde a confiança. Podemos lamentar, mas é certo que vivemos numa sociedade em que não podemos esperar tudo dos movimentos coletivos. Antes, a luta de classes e o socialismo nos davam alguma esperança; mas agora sabemos que a luta de classes não resolve os problemas fundamentais. Esse é um dos aspectos desta sociedade individualista, onde a solução dos problemas reside em si mesmo. Temos que formar indivíduos que sejam capazes de se fazer responsáveis por si mesmos. Serem responsáveis de si mesmos, requer capacidades para ter projetos, criar iniciativas, fomentar a criação pessoal.

Quando alguém tem a capacidade de adentrar por esse caminho, então, não perde a esperança. Todos nós conhecemos jovens que querem montar uma banda de rock ou gravar um filme e se veem animados por uma paixão admirável. Por certo, há uma crise econômica, há grandes dificuldades para conquistar projetos; mas apenas a vontade de criar, de fazer, permite que não se acabe imerso numa crise depressiva, onde toda a culpa é colocada nos problemas da globalização.

Falar de projetos não é falar de uma posição elitista, falo de projetos acessíveis para todo mundo, por exemplo, há jovens que se comprometem de maneira muito entusiasta nos movimentos humanitários, ou que criam uma pequena empresa com microcréditos ou meios relativamente elementares. Além disso, devem encontrar novas vias de responsabilidade individual e novas formas de solidariedade. Uma solidariedade inteligente que favoreça todas as pessoas que queiram realizar coisas novas. A novidade deste mundo é que já não temos certezas de que a história esteja se desenvolvendo no sentido correto; mas se podemos oferecer aos jovens as ferramentas que lhes permitam ter uma formação, e não se converterem em meros consumidores, poderão criar uma identidade mais complexa e resistir a hipermodernidade.

(Fonte: Unisinos. Leia na íntegra aqui)

24 de set. de 2012

mestres


"Os melhores mestres são aqueles que mostram para onde você deve olhar, mas não dizem o que você deve ver."
- Alexandra K. Trenfor

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Adora Svitak acha que o mundo precisa de “ideias infantis”, arrojadas, criativas e otimistas. Que os grandes sonhos das crianças merecem altas expectativas, começando com a boa vontade dos adultos em aprender com as crianças tanto quanto ensiná-las. (Via)

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Creio que quase todo mundo acompanhou o feito de Isadora Faber, uma aluna de 13 anos que, por meio de uma rede social, colocou em evidência suas reclamações sobre a escola que frequenta.

A iniciativa da garota gerou uma enorme repercussão social: reportagens em todos os tipos de mídia, produção de análises... Em sua página, Isadora conseguiu milhares de seguidores que compartilham suas publicações, com ou sem fotos e vídeos.

O que esse fato pode nos fazer pensar? Isadora nos deu uma excelente oportunidade para refletirmos a respeito de algumas questões. Quero ressaltar uma delas: a falta de voz dos nossos alunos nas escolas.
Em todas, é importante assinalar: nas públicas -como no caso de Isadora- e nas particulares.
Você já se perguntou por que tantos pais comparecem às escolas tantas vezes?

Claro que muitos vão porque têm uma ânsia enorme, exagerada até, de participar da vida escolar do filho; querem evitar que ele sofra pequenas injustiças que costumam acontecer no espaço escolar e, principalmente, querem garantir a todo custo um excelente desempenho do filho na vida escolar.

Mas muitos vão porque percebem, com clareza ou às vezes só por intuição, que os alunos -seus filhos- podem ter muito o que dizer na escola, mas dificilmente serão escutados, levados a sério. E note, caro leitor: eu disse escutados, e não atendidos.

A esse respeito tenho um bom exemplo contado por uma mãe. Sua filha de nove anos precisou faltar um dia porque os pais tiveram de viajar repentinamente para resolver um problema familiar e a levaram junto com eles. Só que, justo nesse dia, havia um trabalho para ser entregue.

No dia seguinte, a filha foi à aula, explicou o ocorrido à professora e pediu para entregar o trabalho fora do prazo. A mãe da garota já havia alertado a filha de que ela poderia ter de arcar com alguma consequência pela entrega atrasada da tarefa, mas que isso seria justo.

A professora não quis aceitar o trabalho e ainda respondeu ao pedido da menina fazendo um comentário irônico, que insinuava o caráter "providencial" daquela viagem familiar.

Em casa, a menina contou à mãe o ocorrido e esta decidiu reagir. Foi à escola e conversou com a professora que, prontamente, aceitou o trabalho atrasado da aluna.

Por que é que a situação só se resolveu com a palavra da mãe, se esta apenas repetiu o que a aluna já havia dito? Porque não faz parte da cultura escolar ouvir aquilo que os seus alunos têm a dizer a respeito de aspectos de sua vida de estudante.

Não foi isso o que aconteceu com Isadora? Por que muitas de suas reclamações finalmente foram consideradas legítimas e passaram a ser atendidas? Foi a fala da aluna na rede social que mobilizou a administração escolar a tomar providências e atender suas demandas?

Não, caro leitor. Foi a reação dos seguidores de Isadora na rede, em sua maioria adultos, e não estudantes como ela. As pressões efetivas foram a deles e a da mídia -voz adulta-, que conseguiram legitimar o "Diário de Classe" de Isadora.

Isso nos mostra que temos duas tarefas importantes a realizar. A primeira é a tarefa de cobrar a escola para que ela ensine seus alunos a ter participação ativa no próprio processo escolar. É um direito deles que precisamos garantir.

Muitos alunos falam apenas bobagens, pedem futilidades? Sim, claro. Por isso é preciso que a escola ensine aos estudantes o significado verdadeiro de participar.

Outra tarefa é a de renunciar a falar pelo filho no ambiente da escola. Em vez disso, precisamos encorajar o filho a falar por ele mesmo e cobrar da escola que resolva os problemas diretamente com os alunos.

Já é um bom começo no processo de tornar os alunos protagonistas de sua vida escolar, não é?

- Rosely Saião, aqui

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"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende."
- Guimarães Rosa

23 de set. de 2012

catedráticos do simples


Não aguento mais comer falando de comida. Já faz algum tempo, resolvi cuidar da minha alimentação. Decidi seguir os passos de uma amiga, excelente nutricionista, e confesso que vejo claramente os benefícios que o arroz integral e a quinua vem trazendo à minha vida.

Dia após dia, vejo aumentar a prateleira de orgânicos no supermercado -e isso me deixa feliz. Sinto que eu e a humanidade estamos no caminho certo. Mas, no outro dia, num almoço de família, onde eu esperava escutar deliciosas histórias e fofocas familiares, vejo minha sogra, dona de uma feijoada sem igual, falando de carboidratos e antioxidantes. Até tu, Brutus! Confesso: tem me dado um certo enjoo saber que estou comendo uma coisa que tem vitamina A ou selênio.

Desencanta um pouco a comida. Você está prestes a abocanhar uma garfada de salada fresquinha e o comentário ao lado lhe faz mastigar fibras e ácido fólico.

Acho muito boa toda esta evolução dos últimos anos em direção ao bem viver. Todo mundo tem uma receita de saúde para dar. Mas, a todo momento, sem que você peça, despejam mais um item na lista do número de coisas que você precisa fazer pra viver melhor. E dá-lhe ansiedade. Você se sente mal por não conhecer a farinha de chia e mal por ter que fazer tanta coisa para se sentir bem.

Voltar a ser natural exige grande esforço. Às vezes, sinto que o mundo virou do avesso e que, agora, precisamos fazer mestrado e doutorado para tentar nos aproximar do que seríamos em essência.

O alimento é orgânico, mas nossa forma de tê-lo em nossa mesa não é mais. Viramos especialistas do viver, catedráticos do simples, complicamos tudo e agora nos estressamos para desestressar. Comemos falando de comida, brincamos com nossos filhos falando de pedagogia, fazemos ginástica falando de anatomia e, quiçá, amor falando de sexo.

Podemos saber de tudo. Um clique para o selênio, outro para a pedagogia, outro para o orgasmo. É fascinante. Vivemos navegando num mar de informação. Mas sobre o que queremos saber? Tudo? Tudo o que nos rodeia? O que comemos, o que fazemos, o que amamos? Na escola do futuro, talvez a grande matéria a ser ensinada seja mesmo o autoconhecimento, para que possamos ter meios de reconhecer nossas agulhas nesse palheiro.

Outro dia ouvi uma frase que me flechou o peito: "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar". Será que um dia vamos ter que fazer curso de intuição?

- Denise Fraga, aqui

dick tracy, as distopias e a crise


Se todas as previsões feitas no passado sobre como seria a vida hoje dessem certo, cada um de nós teria um helicóptero – ou coisa parecida – na garagem, e para viagens mais longas só usaríamos aviões supersônicos. (...) Em compensação, o futuro previsto no passado não incluía uma palavra, uma pista, uma sugestão que fosse da grande revolução que viria e ninguém sabia, a da informática. Quer dizer, o futuro imaginado no passado já era um futuro obsoleto. O único tênue presságio do que viria era o rádio de pulso do Dick Tracy, lembra? O próprio Tracy não sonhava que um dia ele teria no seu pulso, para combater o crime, um dispositivo que receberia e emitiria imagens e mensagens, calcularia, fotografaria e diria como estava o tempo em qualquer lugar do mundo.

- Luis Fernando Veríssimo, aqui

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Há uma semana, achei por bem fazer um teste e perguntar à minha filha de 12 anos como ela imaginaria o mundo no ano de 2030.

A ideia era procurar descobrir alguém que vê o futuro como um campo completamente virgem. Talvez uma oportunidade para ouvir a voz de sujeitos para quem 2030 seria seu espaço de direito. Espaço que, a princípio, poderiam moldar a partir da soberania de sua vontade.

Mas, aos poucos, sua descrição foi assemelhando-se a uma distopia de cidades à beira de um colapso, pessoas obesas por não fazerem exercícios e celulares de hologramas.

A primeira reação foi acreditar que tinha forçado um pouco a mão na ideia de uma educação baseada no desenvolvimento do senso crítico. Não deixa de ser surpreendente ouvir alguém tão novo e tão crítico a respeito das possibilidades de transformação do futuro.

Mas talvez tal fenômeno deva ser compreendido de outra forma. Ver o futuro como uma distopia é a expressão mais simples de desconforto com o presente. Há algo no presente que parece se esgotar rapidamente. Como ainda não temos a imagem do novo, a figura do futuro problemático aparece como sinal de respeito pelo que ainda não é possível.

Muitas vezes, a verdadeira esperança não está na crença radiante em um mundo reconciliado. Essa crença, quando aparece muito cedo, acaba por matar toda reconciliação possível. Por isso, a verdadeira esperança sempre é precedida por uma profunda recusa. Dessa recusa vem a abertura para realizar o que ainda não sabemos como fazer. (...)

Por caminhos os mais insuspeitos, a vida sempre consegue resolver os problemas que ela coloca para si. Às vezes, ela tenciona as expectativas ao máximo, pois sabe que só isso coloca a criatividade em movimento. Por tudo isso, creio que, mais uma vez, minha filha tem razão no que diz.

- Vladimir Safatle, na íntegra aqui

* * *

Normalmente pensamos em "crise" como algo instável, um processo de transição entre uma situação que não mais se sustenta e uma nova, em que as contradições se resolvem e a estabilidade se restabelece.

Mas será que a crise não se tornou a nossa normalidade? Podemos imaginar a crise não como processo, mas sim como estado, um processo que se autoalimenta e assim se sustenta?

Gostaria de defender essa tese sobre a crise que estamos vivendo. A crise que enfrentamos, em sua essência, não é uma anormalidade que devemos procurar superar. Na verdade, ela define os tempos que vivemos. Isso não implica, necessariamente, que estejamos condenados a um mal-estar permanente. Na etimologia original da palavra na língua grega, "krisis" também significava decisão e poder de escolha. Vou defender a ideia de que isso ocorre na situação atual.

- Tony Volpon, na íntegra aqui
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