12 de set. de 2012

habitações

Cortiços nos fundos dos predios 12 a 44 da Rua do Senado, 
no centro do Rio de Janeiro, 1906. Foto de Augusto Malta, via


"O problema da habitação para a população de baixa renda brasileira não é atual. Os cortiços se espalhavam aos milhares pelo Rio de janeiro do inicio do Séc. XX. Eram completamente insalubres, sujos e um foco de doenças, principalmente da febre amarela, sífilis e varíola. Seu extermínio era necessário. Durante a campanha de vacinação da febre amarela (comandada pelo médico sanitarista Dr Oswaldo Cruz), que tornou-se numa revolta popular (havia a ideia que se tratava de uma política de extermínio da população pobre), os cortiços tiveram seu óbito assinado. Foram destruídos milhares, entre outros focos de doenças, durante a reforma da cidade promovida por Pereira Passos. Com o desaparecimento dos cortiços, praças, jardins, ruas e avenidas, belas construções surgiram em seu lugar. Era necessário também separar a população negra, mestiça, pobre, da nova e elegante cidade que surgia. Com o despejo para longe do Centro, os moradores, completamente desamparados pelo poder público, foram procurar outros lugares para viver. Com isso, houve um rápido aumento das favelas que até hoje se multiplicam em velocidade vertiginosa em nossa cidade.

Os cortiços eram geralmente de propriedade de ricos comerciantes que rendiam uma boa soma em dinheiro a esse comerciante que cobrava aluguel por cada comodo usado. Apesar de ter licença para existerem pelo Codigo de Posturas Municipais, os cortiços viviam em noticias de jornais que retratavam a miseria dos que lá moravam. O suborno às autoridades minicipais permitia que essas pocilgas existissem."

(Via)



"Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se mal, porém muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia; subiam os aluguéis; as propriedades dobravam de valor. Montara-se uma fábrica de massas italianas e outra de velas, e os trabalhadores passavam de manhã e às Ave-Marias, e a maior parte deles ia comer à casa de pasto que João Romão arranjara aos fundos da sua varanda. Abriram-se novas tavernas; nenhuma, porém, conseguia ser tão afreguesada como a dele. Nunca o seu negocio fora tão bem, nunca o finório vendera tanto; vendia mais agora, muito mais, que nos anos anteriores. Teve até de admitir caixeiros. As mercadorias não lhe paravam nas prateleiras; o balcão estava cada vez mais lustroso, mais gasto. E o dinheiro a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a barra, aos cinqüenta e aos cem mil-réis, e da burra para o banco, aos contos e aos contos."

(Aluísio de Azevedo, "O Cortiço" - pdf na íntegra aqui)

* * *

Cortiço no centro do Rio de Janeiro, c. 1903 (via)

Habitação, esse problema sempre renovado:



"A habitação constitui um dos mais graves problemas sociais da cidade de São Paulo. Dentre os inúmeros fatores explicativos estão os baixos salários dos trabalhadores, o alto custo da terra urbanizada e a insuficiência de políticas públicas destinadas às favelas, aos loteamentos precários e, particularmente, aos cortiços. Consequentemente, as condições precárias de moradia têm reflexos perversos na vida das pessoas, pois a habitação é uma das bases fundamentais da estruturação da vida.

(...) Parece inacreditável a constatação de que os problemas que existiam nos cortiços no início do século 20, conforme estudos e jornais da época, sejam os mesmos dos dias de hoje. Dentre eles, destacam-se a grande concentração de pessoas em pequenos espaços; um único cômodo como moradia; ambientes com falta de ventilação e iluminação; uso de banheiros coletivos; instalações de esgotos danificados; falta de privacidade; e o fato de comporem um mercado de locação habitacional de alta lucratividade."

(Luiz Kohara, aqui)




"Quando esse tipo de interpretação do conceito de propriedade privada sobrepõe a dignidade humana, há algo de muito errado em nossa sociedade.

Quando uma prefeitura finge que não vê um número tão grande de pessoas e não as considera em sua gestão, há algo de muito errado com a política."

(Fabricio Cunha, aqui)




"Enquanto isso, mais uma favela queimou em São Paulo.

Essa limpeza pelo fogo leva às lágrimas muitas famílias. E abrem imperceptíveis sorrisos em alguns empresários e administradores públicos de olho no erguimento de bancos, salas de concertos e de exposições, teatros, sedes de multinacionais, escritórios da administração pública, restaurantes, equipamentos públicos. E apartamentos, para quem pode pagar, é claro.

A questão deveria ser central nos discursos dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, mas não é. Até porque tem sido função do poder público em São Paulo tornar a vida dos moradores de favelas em áreas de interesse imobiliário um inferno até que eles saiam, seja por ação direta, seja por omissão.

E a desse pessoal, resistir. Eles sabem que não se encaixam no plano de desenvolvimento para a cidade. Sabe como é, né? Aquele bando de gente pobre só ia jogar o preço do metro quadrado para embaixo e afastar os 'homens de bem' de perto. Temos um constante Pinheirinho em São Paulo, mas como segue a conta-gotas, não vira manchete. Banalizou-se, como a corrupção ou a superexploração do trabalho.

Ao longo do tempo, fomos expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais – com exceção das Alphabolhas da vida. Cortiços e pequenas favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias. Sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses locais prefere continuar assim, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho – ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar três horas, dentro de ônibus superlotados.

Ao mesmo tempo, o Brasil está se tornando um imenso canteiro de obras.

O problema é que há gente morando nos locais onde se quer construir."

(Leonardo Sakamoto, aqui)



Um projeto colaborativo na Internet, o "Fogo no Barraco", é uma tentativa de mapear todos os incêndios em favelas de São Paulo, desde 2004, e também as regiões mais valorizadas dos últimos tempos. Juntando as duas pontas, há uma notável convergência. Saiba mais (e como participar) aqui. (Dica do prof.  Lair Amaro)



"A prefeitura implementou um programa de prevenção em 50 comunidades classificadas como de alto risco. Ainda assim, muitas delas já registraram incêndios.

Mesmo considerada 'modelo', a favela do Morro do Piolho mostrou que as medidas do Previn (programa de prevenção de incêndios), que incluíram um zelador com capacete, capas e botas de incêndio, não foram suficientes.

De acordo com os residentes, que tentaram conter as chamas com baldes, não houve treinamento, e extintores jamais foram entregues." (Aqui)



"As centenas de milhares de casas e apartamentos da supostamente exitosa política habitacional chilena produziram um território marcado por uma segregação profunda, onde o “lugar dos pobres” é uma periferia homogênea, de péssima qualidade urbanística e, muitas vezes, também, de péssima qualidade de construção, marcada ainda por sérios problemas sociais, como tráfico de drogas, violência doméstica, entre outros. Para se ter uma ideia, vários conjuntos habitacionais já foram demolidos (!) e muitos outros se encontram em estudo para demolição.

Deixada para o mercado a decisão de onde e como deveria ser produzida, encarada como um produto que se compra individualmente, como um carro ou uma geladeira, a cidade que resultou é simplesmente desastrosa. Nada nos leva a supor, que, em menos de dez anos, não estaremos enfrentando no Brasil o mesmo cenário com o programa 'Minha Casa, Minha Vida'."


(Raquel Rolnik, professora e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, aqui)



"A maior crítica dos urbanistas ao programa Minha Casa, Minha Vida, lançado pelo governo federal em 2009, é a de que as necessidades do setor de construção civil foram mais importantes na construção do modelo do projeto do que o modelo de cidade que ele criaria."

("Minha Casa, Minha Vida é política de crédito, não de cidade", por Thalita Pires, Rede Brasil Atual, aqui)

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